Britânicos lutam por tomates e pepinos em meio a desabastecimento de vegetais

02/03/2023 15:21
Por Redação, O Estado de S. Paulo / Estadão

Moradores do Reino Unido estão precisando racionar vegetais, como tomates e pepinos, desde que produtos frescos começaram a desaparecer das prateleiras há duas semanas. A maioria das grandes redes de supermercado passaram a impor limites sobre a quantidade de produtos que os clientes podem comprar – uma situação que levou o governo a culpar fenômenos naturais, enquanto críticos a indicam como uma possível consequência do Brexit.

Autoridades britânicas culparam o mau tempo na Espanha e no norte da África para justificar o sumiço dos produtos do país. De acordo com a narrativa oficial do governo, a escassez – já chamada de “fiasco vegetal” por parte da imprensa europeia – pode durar por até um mês.

Críticos do governo conservador de Londres, no entanto, apressaram-se para apontar uma ligação entre a falta de produtos e o Brexit, indicando que seria uma consequência do cenário político, e que outros países europeus não estão passando pela mesma privação.

O público geral tem reagido a disputa de narrativas. A secretária do Meio Ambiente, Therese Coffey, foi alvo de zombaria nas redes sociais após afirmar que os consumidores britânicos deveriam “apreciar” mais os produtos britânicos, e comer nabos em vez de alimentos importados. Quando a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, visitou o país na semana passada, alguns a pediram que levasse alguns tomates na bagagem.

Especialistas afirmam que o Brexit provavelmente desempenhou um papel na atual escassez de alimentos, mas que um conjunto mais complexo de fatores, dentre os quais mudanças climáticas, dependência excessiva de importações do Reino Unido (sobretudo no inverno), custos crescentes de energia e estratégias de preços dos supermercados britânicos, expliquem a crise.

Frio e contas de energia mais caras

Um fator apontado como muito relevante tanto pelo governo quanto pelos especialistas tem a ver com as temperaturas e o tempo no Hemisfério Norte, e o alto preço da energia, em meio ao cenário geopolítico atual.

Temperaturas anormalmente baixas na Espanha e fortes chuvas e inundações no Marrocos – dois dos maiores fornecedores de tomate para o Reino Unido – levaram a colheitas ruins e são citadas como a principal causa da escassez pelo governo.

Na Espanha, os agricultores culpam as recentes temperaturas congelantes, que vieram após um calor recorde e condições secas no ano passado. Em Almería, que produz 40% das exportações de vegetais frescos do país, os níveis de produção de tomate, pepino e berinjela caíram mais de 20% durante as três primeiras semanas de fevereiro em comparação com o mesmo período de 2022, segundo a Fepex, uma organização que representa os exportadores espanhóis de frutas e vegetais. O grupo disse que a situação está melhorando.

O calor e a seca na Europa no ano passado também estão afetando as colheitas de hortaliças em outros países, incluindo a Alemanha. Separadamente, a Holanda, outro grande produtor de tomate, viu uma queda na produção porque o preço da energia muito acima do normal, impulsionado pela guerra na Ucrânia, fizeram com que muitos produtores optassem por não acender as luzes de LED em suas estufas neste inverno.

Produtores de hortaliças no Reino Unido relataram que também foram forçados a deixar suas estufas vazias. Richard Diplock, diretor-gerente da Green House Growers, com sede no sul da Inglaterra, disse que seus custos de energia são cerca de seis vezes maiores em comparação com os invernos anteriores.

“Decidimos que não poderíamos aquecer as estufas em dezembro e janeiro e adiamos o plantio até fevereiro. Muitos produtores de tomate estão em uma posição semelhante”, disse ele.

Peso do Brexit

A escassez no Reino Unido – e imagens contrastantes de prateleiras cheias de vegetais em supermercados pela Europa – provocaram relações quase imediatas sobre o Brexit. Especialistas dizem que a burocracia extra e os custos associados à saída da UE contribuíram, mas não é um fator principal.

“Uma hipótese para menos exportações para o Reino Unido é que, se a oferta é restrita, por que você precisaria de papelada extra (para exportar para lá)?” disse Michael Winter, professor de mudanças agrícolas na Universidade de Exeter.

“Se os custos de transação forem maiores para exportar para um país em comparação com outro, isso vai ditar para onde você vai.”

“O Brexit exacerbou o problema, sem dúvida”, acrescentou Winter. “Mas eu não quero exagerar nisso. Tem mais a ver com a mudança climática e a falta de investimento em nossa indústria”.

Preço x custo de produção

Agricultores dizem que outro fator é como os maiores supermercados do Reino Unido procuram se manter competitivos, mantendo os preços o mais baixo possível, mesmo com o aumento dos preços dos alimentos, um dos principais impulsionadores para a inflação estar nos níveis mais altos em décadas.

Em alguns países da UE, como a Alemanha, não há prateleiras vazias, mas os preços dos vegetais frescos dispararam enormemente. Os supermercados britânicos relutam em pagar mais ou cobrar tanto dos clientes, disse Diplock.

“Estando no Reino Unido, você sabe que toda semana o preço de um pepino é 0,75 libra (R$ 4,67), não importa a época do ano”, disse Diplock. “Produtores do norte da África e da Espanha terão um retorno melhor ao abastecer os supermercados europeus.”

Falta de investimento

Produtores britânicos afirmam que,mesmo que os custos de energia não tivessem subido tanto, não seriam capazes de compensar a escassez de produtos importados. Durante o inverno, a produção doméstica do Reino Unido representa apenas 5% ou menos dos tomates e pepinos vendidos nos supermercados britânicos.

O Sindicato Nacional dos Agricultores alertou por meses que o excesso de confiança em produtos frescos importados deixa o Reino Unido vulnerável a eventos climáticos imprevisíveis e outros fatores externos, como a guerra na Ucrânia.

Os agricultores também reclamaram da falta de investimento do governo no setor e de financiamento para ajudá-los a lidar com contas de energia extremamente altas. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

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