Burocracia e especulação imobiliária: a via-crúcis do Aluguel Social
Burocracia em conseguir o benefício e garantia curta do pagamento do Aluguel Social está dificultando vítimas das chuvas a encontrarem uma casa
A busca por uma nova moradia ainda é uma realidade para muitas vítimas das chuvas de fevereiro, que deixou centenas de pessoas desabrigadas em Petrópolis. Nos abrigos da cidade ainda há 101 pessoas, além de outras muitas famílias que continuam desalojadas em casas de parentes. Conseguir o benefício do Aluguel Social é apenas o primeiro obstáculo impostos às vítimas da maior tragédia de Petrópolis. Elas esbarram ainda na elevação dos preços dos aluguéis e também na dificuldade de encontrar imóveis que aceitem o benefício como forma de pagamento.
O caminho vem sendo árduo para as famílias. Até o momento, cerca de 1.200 das mais de 2 mil cadastradas conseguiram efetivamente o benefício. Nesta quarta (11), teve início um mutirão promovido pela Prefeitura de Petrópolis e o Governo do Estado para recadastrar todos os que perderam ou tiveram interditadas suas moradias. O chamamento está sendo feito por ordem alfabética e a lista de documentos a serem apresentados é extensa.
Entre os que compareceram ao novo chamado está B., de 34 anos, que após três meses da tragédia continua em busca do benefício. “Esta é a sexta vez que compareço para apresentar documento. Estou aqui desde 10h30 da manhã na fila para esse recadastro e ainda não fui atendida”, reclamou enquanto aguardava ser atendida na sede da Prefeitura. Segundo B., na longa lista de documentos, está até e exigência de o beneficiário ter uma conta na Caixa Econômica. “Tive ainda que fazer o cadastro no CRAS e já estive lá várias vezes tentando resolver”, acrescentou.
Dificuldade para alugar
Sem ter onde ficar e sem receber o benefício durante todo este tempo, B. está contando com a ajuda de parentes para pagar o aluguel em um local seguro. Mas também não sabe como irá proceder se conseguir o benefício, pois até o momento não encontrou uma casa que aceitasse o Aluguel Social.
Neste ponto, quem está do outro lado revela que as dificuldades foram geradas pelo próprio governo, que está garantindo apenas um ano do aluguel das vítimas das chuvas, enquanto que, legalmente, os contratos de locação são firmados em prazo igual ou superior a 30 meses.
“Tivemos um problema enorme de informação e clareza, principalmente a partir do momento em que foi divulgado que o aluguel social era sem burocracia. Acontece que desde o início se instaurou uma insegurança absurda por parte das imobiliárias, corretores e proprietários”, apontou a corretora de imóveis Irene Medeiros, que atua com locação.
Segundo ela, houve, num primeiro momento, uma procura maciça de pessoas procurando imóveis, no entanto, a forma de pagamento era o que mais assustava, com parte sendo paga pelo município e outra pelo estado, deixando, claro, os donos de imóveis com dúvidas em relação ao procedimento.
“Além disso não havia garantia alguma, como fiador ou seguro ou caução, e nem vistoria no imóvel. Isso não é uma questão de segurança só para o corretor e proprietário, é uma questão de segurança para o inquilino também”, ressaltou. “Nós corretores não tivemos apoio do Conselho Regional, se tivéssemos sido inseridos para ajudar essas pessoas, poderíamos ter feito um mutirão de vistorias para ver se os imóveis estavam em condições. Muitos estão entrando em imóveis que não estão aptos a moradia. Isso evitaria problemas na hora de deixar os imóveis”, apontou a corretora.
Sem contrato de 30 meses, sem fiador ou outras garantias e ainda com a oferta de apenas 12 meses de Aluguel Social, muitos donos de imóveis aumentaram os valores cobrados para não ter que aceitar esses inquilinos. Também foram registrados casos de proprietários que reajustaram o preço para atingir o valor ofertado pelo Aluguel Social, no caso dos que aceitaram alugar com o benefício do governo como garantia, dificultando a situação das vítimas da maior tragédia do município.