Camões na rua

27/12/2019 10:28

Será sempre auspiciosa uma edição natalina da poesia de Camões, nas vésperas da comemoração (em junho de 2020) dos 440 anos de seu falecimento – 10 de junho de 1580. Assim, convém saudar o aparecimento de Camões na rua: antologia organizada por Anderson Braga Horta (Brasília: Thesaurus, 2019). Na introdução, ‘Camões e a língua’, Braga Horta afirma a imensa importância do poeta não na língua portuguesa, que já existia, mas pelo fato de lhe haver conferido esplendor e matizes novos na sua expressão. Portanto, visto que ignoramos o ano, o mês e o dia de seu nascimento, é natural que o dia de sua morte tenha sido escolhido para Dia de Portugal e das Comunidades de Língua Portuguesa.

Braga Horta não se mostrou econômico nas escolhas: preferiu três redondilhas, trinta e um sonetos e fragmentos diversos de Os Lusíadas. O resultado favorece o leitor que, interessado na obra camoniana, estará bem servido por esta antologia. Como sabemos, nem redondilhas nem sonetos possuem título próprio; de tal modo, umas e outros são identificados pelo verso inicial. Por exemplo, “Alma minha gentil, que te partiste”. Os fragmentos do poema épico abordam episódios bastante significativos, como o de Inês de Castro (canto III), do Adamastor (canto V), da Ilha dos Amores (canto IX) e da Máquina do Mundo (canto X), além do final um tanto descorçoado do poeta.

Infelizmente, ao estabelecer texto e autoria de Camões, o organizador optou pelo texto e obra assinados por Ernani Cidade, que se baseou na tradição impressa, desprezando a consulta aos manuscritos do século XVI, quando o poeta ainda vivia. Desse modo, provavelmente ignorando o trabalho altamente meritório do professor brasileiro Leodegário A. de Azevedo Filho, baseado precipuamente na consulta aos manuscritos quinhentistas, o organizador incorre em falhas tanto no texto quanto na autoria principalmente de sonetos.

Assim, p. ex., o soneto “Um mover de olhos brando e piadoso” é atribuído a Estevão Roiz; e o soneto “Tanto de meu estado me acho incerto” é seguramente de Diogo Bernardes (c. 1529-c. 1596). E mesmo em sonetos garantidamente de Camões, existem erros textuais, como em “Sete anos de pastor Jacob servia” e “Alma minha gentil que te partiste”. No primeiro, a tradição impressa tem imposto “prêmio” em vez de ”soldada”, que está nos manuscritos do século XVI. E no segundo, é destruído pela tradição impressa a tensão barroca de opostos (céus/terra, corpo/alma, tu/eu, morte/vida). No entanto, permanecem as boas intenções da edição, ainda mais que não é a todo instante que o maior poeta da língua portuguesa se acha à disposição do público leitor. Feliz Ano Novo.

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