Casa das Sedas: fragmentos de uma vida
O que um retalho de tecido da Casa das Sedas e o legado deixado pelo fundador da loja, o italiano Guarino Baravelli, têm em comum? Se para a maioria o material era avaliado com base em sua origem e dimensão; para o senhor Guarino, mais do que um retalho, o tecido era fragmento dos esforços de uma vida dedicada ao comércio.
Foto: Arquivo Histórico/Biblioteca Municipal
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‘Seu’ Guarino veio de Bolonha para Petrópolis quando tinha quatro anos de idade. Cresceu no Morin, onde ainda reside a família, e por lá deu início a sua jornada profissional. Começou debaixo, como mascate, e, tal qual os ciclos da seda, se viu diante de fases que, por mais que distintas entre si, foram capazes de se completar.
De tear da Fábrica de Sedas Santa Helena, Baravelli atingiu o cargo de gerente da indústria. Perspicaz, contudo, notou que somente se sentiria realizado uma vez que se libertasse do casulo em que vivia. E assim o fez quando fundou seu próprio negócio: a Casa das Sedas – da fábrica ao consumidor.
Dotado de visão para o comércio, o italiano contestou as probabilidades de sucesso a que estava sujeito. E se cada ciclo pelo qual passou trouxe com ele uma lição, a primeira foi ensinada ainda na infância. Após sofrer um acidente que exigiu sua permanência em casa como parte da recuperação, Baravelli aprendeu que o que é bom, leva tempo.
O primeiro endereço da loja, que costumava funcionar no local onde hoje opera o Conjunto Comercial Marchese. Foto: Arquivo pessoal Rita Baravelli
Sua loja operou por mais de 50 anos na cidade, em dois endereços. O primeiro, no atual Marchese, e o segundo e último entre as Casas Gelli e Olga. Sua neta, Rita Baravelli, de 56 anos, recorda o orgulho com que o avô conduziu o negócio e o prazer que era, para ele, passar os dias no estabelecimento – estivesse ele aberto ou fechado.
“Se eu te disser que ele ia de domingo a domingo para a loja você acredita? Acho que ele se sentia até incomodado quando estava em casa. Gostava muito do que fazia”. Prestigiada pela alta sociedade petropolitana devido aos tecidos importados que vendia, aos olhos de Rita nem a maciez da mais pura seda se comparava ao conforto da lã inglesa da casa.
“Sempre fui friorenta, então adorava a lã. Minha mãe fazia muitos casaquinhos xadrez pra mim”. Registrada como firma individual e caracterizada, por isso, pela não existência de sócios, foi graças a figuras amigas como a do contabilista Luiz Carlos Rodrigues Soares, de 74 anos, que a Casa das Sedas se eternizou no comércio.
Responsável – durante ao menos quatro décadas – pela contabilidade da empresa, de apenas uma conta o senhor Luiz Carlos não foi capaz de monitorar: do número de vezes em que passou na loja para fazer o controle do movimento e, sobretudo, conversar com o renomado comerciante e estimado amigo italiano.
Como bem descreve ele, “o contabilista mantinha um vínculo de anos e anos com as empresas e, então, a ligação entre profissional e cliente se tornava íntima”. Tanto que, passados os 40 anos de serviços prestados, o senhor Luiz Carlos foi responsável por uma última tarefa: a de solicitar a aposentadoria de Baravelli.
Ele relembra o dia em que o benefício foi aprovado e, além do recebimento de seus honorários, foi presenteado com um corte de casemira inglesa da marca Ben Betesh, que guarda até hoje. “São três metros de tecido. Na época ele sugeriu que eu fizesse um terno com alguém de gabarito, de classe como era o alfaiate Lomont em Petrópolis”.
Mas dois fatores o impediram de, lá atrás, cumprir a tarefa: a dificuldade que era conseguir um horário com o alfaiate e a segunda e mais decisiva: a falta de verba para custeá-lo. Passados 30 anos, ‘seu’ Luiz decidiu que faria o terno para o casamento do filho. Desta vez, porém, o problema foi outro:
“Não havia alfaiate na cidade”. Quase como já não se encontram funcionários como a dona Odete de Freitas: a bela e distinta ex-gerente da Casa das Sedas. Sua passagem pelo empreendimento, onde também se aposentou, é lembrada pelo sobrinho Francisco Luiz Martins Tardioli, de 63 anos.
Nascida em Miracema, Odete trocou a fazenda em que cresceu para viver na cidade: fase que lhe trouxe a gratificante tarefa de cumprir a gerência de um negócio de peso, sem que o cargo se tornasse um fardo. “Sempre que passava em frente à casa parava para dar um beijinho nela. Era uma pessoa de espírito alegre e acabou que herdamos isso dela”.
Herança que não se pede e, muito menos, se mede. Herança que vem em forma de tecido, de espírito, ou até honestidade. Herança, sobretudo, proporcionada pela Casa das Sedas.
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