Casa Gelli: uma fábrica de sonhos bem no Centro de Petrópolis

12/07/2018 19:05

A produção era de móveis, mas, ao fim do dia, da fábrica saíam sonhos. Os produtos traduziam as ambições de cada um e, somados ao charmoso interior da Casa Gelli, a simples possibilidade de tê-los era de fazer o olho brilhar. Com as mãos nos tapetes, os olhos nas louças e o coração nas vitrines e brinquedos, a realidade vestia-se de fantasia.

O bom gosto e a qualidade são pontos-chave quando o assunto é a Casa Gelli. Considerada a primeira fábrica de móveis de Petrópolis, a firma coleciona prêmios e, acima de tudo, as aprovações dos clientes. A aposentada Maria Pessoa de Souza, de 67 anos, diz que não pretende se desfazer dos móveis que adquiriu há 52 anos.

“Me lembro bem de ter ganho um quarto novo aos 15 anos com móveis comprados na Gelli. Morei em Brasília, São Paulo, Salvador, voltei para Petrópolis e os tenho comigo. Não tenho coragem de me desfazer deles, que correram atrás de mim quase que a vida inteira e estiveram comigo em todas as mudanças”.

Ela lembra ainda que sua cama foi também parte da infância da filha, hoje aos 44 anos, e da neta, de 12. E assim como Maria, quem jamais se esqueceu da loja é a autônoma Sabrina Djalma, que teve o privilégio de ganhar, no que considera ter sido o melhor Natal, um presente comprado no Magazine Gelli.

“Minha madrinha me levou lá quando eu tinha uns 7 ou 8 anos. Ela conta que estava disposta a me dar uma bicicleta, mas, na época, escolhi o Fofão. Depois disso passei a ir muito na Casa Gelli para ficar admirando aquele mundo de brinquedos. Lembro que eles desciam por um elevador. Parecia que você estava entrando num mundo muito particular seu, numa casa de fantasias”, afirma a petropolitana de 36 anos.

O segundo andar do prédio era dedicado à criançada: com autoramas, bicicletas, escorregas e muitas cores, era lá que os pequenos sonhavam acordados. Além dos brinquedos, outro diferencial eram os caprichados embrulhos em papel vermelho. Rossana Gelli, de 59 anos, relembra os dias em que frequentou o estabelecimento. Mais precisamente, desde nascer até o negócio fechar.

“Meu pai, Gilberto Gelli, foi diretor comercial e trabalhou lá por mais de 50 anos. No Natal, eram feitos concursos e tinha sempre um Papai Noel para receber as crianças. A cidade também esperava pela feira de agosto, em que eram feitas muitas promoções. As pessoas faziam fila para comprar”.


Fachada adentro

Quem atravessava a entrada da Casa, se deparava com luxuosos lustres, belas colunas nas laterais, um elegante piso quadriculado e mercadorias que iam desde louças e talheres a eletrodomésticos e cristais. Rossana se refere àqueles tempos como uma ‘outra época’ e, de fato, as tradições eram outras. Diariamente, às seis da tarde, era tocada a Ave Maria. Além disso, sempre que a loja abria e nos intervalos de almoço era tocada uma marchinha.

Ela cita ainda as inesquecíveis vitrines feitas por Ricardo Gelli: diversão dos veranistas que passeavam pelo Centro. “As duas vitrines eram sempre muito bem feitas. No Natal então, costumava ter o concurso da vitrine mais bonita e a Casa Gelli sempre ganhava, encantava as pessoas”.

Após o falecimento do vitrinista que se tornou conhecido pelo trenzinho elétrico em seus cenários natalinos, quem ocupou seu posto por 15 anos foi a artesã, de 56 anos, Renata Gelli de Araújo Moreira. 

“Eram oito metros de vitrine, uma das maiores de Petrópolis. Era um desafio, mas eu amava e contava os dias para ir lá fazer. Meu pai, arquiteto, me ensinou a olhar as vitrines sem graça e as vitrines com arte. Uma vez, fui na casa de uma cliente e, a pedido dela, arrumei os lençóis e edredom do mesmo jeito que eu havia feito na vitrine”.

Como toda grande história, a da Casa Gelli teve um belo começo. Quem a relembra é o senhor Mário Felippe de Carvalho Gelli, de 89 anos. Ele é neto do visionário Felippo Gelli que, vindo da Itália, fundou na Rua Doutor Porciúncula, em 1897, a marcenaria que deu origem ao empreendimento.

“Meu avô já trabalhava com madeira: produzia aqueles tonéis para colocar enguia, peixe muito comum na cidade de Commacchio, de onde ele veio. A Gelli funcionou por muito tempo onde é hoje o Edifício Profissional e a produção já operou até na Barão do Rio Branco, na atual sede do Corpo de Bombeiros. No Rio, a Gelli chegou a ter 13 lojas: na Avenida Brasil, Copacabana, Tijuca, Méier; e tinha filiais em vários lugares, como Belo Horizonte”.

Pioneira nos móveis planejados com a linha ‘Bem Bolado Gelli’ e reconhecida nacionalmente, foi a ela que o senhor Mário se dedicou desde menino. “Nunca fiz outra coisa a não ser dedicar toda a minha vida à Gelli. Comecei a trabalhar na loja com, praticamente, 13 anos. Sinto saudades de tudo. Fui desenhista de móveis e também diretor industrial da empresa”. 

O carro-chefe da fábrica era a poltrona Gelli Junior, produzida em alta escala. Segundo o aposentado, eram feitas 200 por semana, sem falhar. Hoje ele se dedica à pintura e, assim como quem a viu funcionar, nutre um carinho pela Casa Gelli, lar de quem sonhou e, certamente, já se emocionou ao relembrar.


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