Catecismo maior de Lutero

12/05/2017 08:00

 Primeiro mandamento   

 “Eu sou o Senhor, seu Deus, não tenha outros deuses além de mim.” 

Isso significa: você deve ter como Deus apenas a mim. Deus representa aquilo do qual se deve esperar todo bem, dele se socorrendo em todos os apertos. Ter um Deus não significa outra coisa senão crer e confiar nele do fundo do coração. Pois os dois estão interligados, fé e deus. Entendo que seu DEUS é, na verdade, aquilo em que você confia, a quem você entrega seu coração.

Para explicar isso com mais clareza, vou usar exemplos comuns de comportamento oposto.

Há quem pense que tem Deus e não precisa de mais nada, se tiver dinheiro e muitos bens, fiando-se nisso. Ora, essa pessoa também tem um deus, que se chama Mâmon (do hebraico mamona), isto é, dinheiro e posses, nos quais deposita toda a sua confiança. Esse é o ídolo mais comum sobre a face da terra. A pessoa que tem dinheiro e posses se sente segura, como se estivesse em pleno paraíso.

Por outro lado, quem não tiver nada disso fica angustiado, cheio de dúvidas, como se não soubesse de deus algum. A pessoa fica temerária, segura e presunçosa quando tem esses privilégios, ou agoniada, quando não os tem ou os perde. Pois encontramos poucas pessoas que, não tendo o Mâmon, esteja numa boa, não fiquem se lamuriando nem se queixando.

E aquela pessoa que se gaba de grande erudição, inteligência, poder, prestígio, relações e influência, depositando nesses sua confiança, também tem um deus, mas não o Deus autêntico e único. 

Observe o que fazíamos sob o papado: se alguém estava com dor de dente, jejuava em honra de Santa Apolônia; quando temia incêndio, apelava para São Lourenço e por aí afora abominações incontáveis. Tem gente que vai mais longe, fazendo trato com o diabo, que lhes dê mais dinheiro ou dê uma mãozinha na conquista amorosa. Pois eles colocam seu coração e depositam sua confiança em outro lugar que não o Deus autêntico, não o procuram nem esperam dele nenhum favor.

O primeiro mandamento quer ensinar a entregar o coração inteiro da pessoa, toda sua confiança, exclusivamente a Deus.

Ter Deus significa que o coração se deixe tomar por Ele, é fiar-se nele por inteiro. A única fonte de consolo e segurança deve ser Ele, colocando em segundo plano tudo o que há sobre a terra. 

Mas há muito culto errado praticado no mundo. Os pagãos que confiavam no poder do mais forte colocaram Júpiter como seu deus supremo. Os que buscavam riqueza, felicidade ou prazer e vida boa, escolhiam Hércules, Mercúrio, Vênus; as grávidas, Diana ou Lucina, e assim por diante. A confiança deles é falsa, fajuta, porque não está voltada para o Deus único. Por isso os pagãos, na verdade, transformam sua própria fantasia e devaneio sobre Deus num ídolo, confiança num nada.

A idolatria consiste não apenas o fato de se erigir uma imagem e adorá-la; ela está principalmente no coração, que procura em outra parte, busca socorro e conforto nas criaturas, nos santos ou nos demônios, não aceitando Deus nem esperando dele seu benefício.

Existe outro culto falso. Trata-se da maior idolatria que praticávamos. Ela se funda na consciência que busca socorro, consolo e salvação nas suas próprias obras, atreve-se a extorquir de Deus o céu, contabilizando quantas doações fez, o quanto jejuou, quantas missas rezou etc. Fica insistindo nesse direito seu, nada aceitando de Deus de graça, mas quer merecer por conta própria, inclusive com saldo, como se fosse Deus quem está a nosso serviço, é nosso devedor e nós seus credores. O que é isso senão fazer de Deus um ídolo, um deus fajuto, considerando-se deus a si próprio.

Deve-se confiar exclusivamente em Deus, esperar dele somente coisas boas, uma vez que é ele quem nos dá o corpo, a vida, comida, bebida, sustento, saúde, proteção, paz e tudo aquilo de que precisamos em termos de bens temporais e eternos. Deus é uma fonte eterna feita de pura bondade, da qual emana tudo que é bom.

(Catecismo maior de Martin Lutero, p. 26-29)

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