Charles Simic, poeta adepto do jogo de palavras, morre aos 84 anos
Charles Simic, o poeta vencedor do Prêmio Pulitzer que impressionou críticos e leitores com sua arte singular de lirismo e economia, perspicácia trágica e humor perturbador, morreu aos 84 anos. Sua morte foi confirmada na segunda-feira, 9, pelo editor executivo Dan Halpern, da editora Alfred A. Knopf. Ele não forneceu detalhes adicionais.
Autor de dezenas de livros (no Brasil, a editora Todavia lançou Meu Anjo da Guarda Tem Medo do Escuro, em 2021), Simic foi classificado por muitos como um dos maiores e mais originais poetas de seu tempo, alguém que não escreveu em inglês até os 20 anos. Sua perspectiva sombria, mas cômica, foi moldada em parte por seus anos de crescimento na Iugoslávia durante a guerra, levando-o a observar que “o mundo é velho, sempre foi velho”.
Seus poemas eram geralmente curtos e diretos, com mudanças surpreendentes e às vezes chocantes no humor e nas imagens, como se refletissem a crueldade e a aleatoriedade que aprendera desde cedo.
Em Two Dogs, Simic escreve sobre como um cachorro em “alguma cidade do sul” e outro na floresta de New Hampshire o fez lembrar de um “cachorrinho branco” que ficou “emaranhado” nos pés de soldados alemães em marcha. Lendo a História é um esboço dos céus “vastos, escuros e impenetráveis” para aqueles “conduzidos à morte”. Em Precisa-se de Ajuda, a vida é uma piada cósmica e o narrador, um ingênuo voluntário:
“Eles pediram uma faca
eu venho correndo
Eles precisam de um cordeiro
Eu me apresento como o cordeiro”
“Eu não escrevo poemas para ilustrar alguma ideia filosófica. Eles geralmente têm raízes em alguma experiência que eu tive, algo que vi ou imaginei, mas, o que quer que seja, é mudado durante o processo de escrita”, disse ele em entrevista ao Estadão, em 2021. “Em outras palavras, posso começar o poema pensando que vai ser sobre meu avô que eu amo muito e depois de muitas revisões acaba sendo sobre seu cachorro porque estou mais interessado em fazer um bom poema que as pessoas queiram ler do que ser fiel a alguma ideia que inicialmente tive em minha mente.”
Em 2005, Simic recebeu o Prêmio Griffin de Poesia e foi elogiado pelos juízes como “um mágico, um ilusionista”, mestre de “uma precisão inexpressiva e desarmante, que nunca deve ser confundida com simplicidade”. Ele era fluente em vários idiomas e traduziu as obras de outros poetas do francês, sérvio, croata, macedônio e esloveno.
Nascido Dusan Simic em Belgrado em 1938, um ano antes do início da Segunda Guerra Mundial, ele descreveria sua juventude como “uma pequena parte sem fala / Em um épico sangrento”. Seu pai fugiu para a Itália em 1942 e ficou longe da família por anos. O lar era tão opressivo que Simic passou a ver a guerra como uma fuga necessária.
“A guerra terminou um dia antes de 9 de maio de 1945 que, por acaso, era meu aniversário”, disse ele à Paris Review, em 2005. “Eu estava brincando na rua. Subi ao apartamento para beber água onde minha mãe e nossos vizinhos estavam ouvindo rádio. Eles disseram, ‘A guerra acabou’, e aparentemente eu olhei para eles intrigado e disse, ‘Agora não haverá mais diversão!’ Em tempo de guerra, não há supervisão dos pais; os adultos estão tão ocupados com suas vidas que as crianças podem correr livremente.”
Simic se referia a Hitler e Stalin como seus “agentes de viagens”. O domínio nazista deu lugar à opressão apoiada pelos soviéticos e Simic emigrou para a França com sua mãe e irmão em meados da década de 1950, e logo para os Estados Unidos.
Sua família se estabeleceu em Chicago, onde seu colégio foi frequentado por Ernest Hemingway, e ele se tornou interessado em poesia – pela arte e pelas meninas. Com seus pais incapazes de pagar a faculdade, ele passou uma década trabalhando em empregos que variavam de funcionário da folha de pagamento a pintor de paredes, enquanto fazia aulas noturnas na Universidade de Chicago e, posteriormente, na Universidade de Nova York, onde se formou em 1966 com um diploma em estudos russos.
Seu primeiro livro, What the Grass Says, foi lançado em 1967. A ele, seguiu com Somewhere Among Us a Stone is Taking Notes e Dismantling the Silence, e logo estava com uma média de um livro por ano. Uma crítica do New York Times, em 1978, notaria seu dom de transmitir “um complexo de percepções e sentimentos” em apenas algumas linhas.
“De todas as coisas já ditas sobre poesia, o axioma de que ‘menos é mais’ causou a maior e mais duradoura impressão em mim”, disse Simic à revista Granta em 2013. “Escrevi muitos poemas curtos em minha vida, exceto ‘escrito’ não é a palavra certa para descrever como eles surgiram. Como não é possível sentar e escrever um poema de oito linhas que seja vasto para seu tamanho, esses poemas são montados durante um longo período de tempo a partir de palavras e imagens flutuando em minha cabeça.”