Churrascada: Filho de desembargador diz à PF que depósitos em sua conta são de venda de vinhos
Na mira da Operação Churrascada por suposto envolvimento com esquema de lavagem de dinheiro de venda de sentenças, o comerciante Ivo de Almeida Júnior, filho do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Ivo de Almeida, alegou em depoimento à Polícia Federal que depósitos de valores fracionados identificados em sua conta são decorrentes da venda de vinhos. Sobre sua sociedade em uma incorporadora que construiu um prédio de 30 andares na zona norte de São Paulo – ponto central da suspeita dos investigadores -, Ivo indicou que nunca administrou o negócio e que ficou com um apartamento, hoje alugado.
Ivo de Almeida Júnior depôs à Polícia Federal no último dia 1º no inquérito da Operação Churrascada, que investiga o desembargador Ivo de Almeida sob suspeita de ligação com venda de sentenças na Corte paulista.
Na carreira desde 1987, o desembargador foi afastado da presidência da 1.ª Câmara de Direito Criminal do TJ em junho por ordem do ministro Og Fernandes, relator da Churrascada no Superior Tribunal de Justiça.
Ivo Júnior depôs ao delegado André Luiz Barbieri, da Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros da Polícia Federal.
Como mostrou o Estadão, a PF espreita o desembargador e sua conduta em processos nos quais teriam sido negociadas sentenças de acordo com a “gravidade” de cada caso.
A defesa do magistrado nega enfaticamente ligação de Ivo de Almeida com atos ilícitos, prega sua inocência e afirma que a Operação Churrascada nada irá provar contra ele. Dezenas de criminalistas renomados hipotecaram solidariedade ao desembargador, a quem atribuem comportamento pautado pela ética.
O relato de Ivo Júnior à PF neutraliza trechos importantes da linha de investigação da Operação Churrascada. Uma vertente da apuração imputa enriquecimento à família de Ivo de Almeida. Os investigadores questionaram, por exemplo, se a residência do magistrado é ornada com obras de arte. Perguntaram a Ivo Júnior, especificamente, sobre um quadro encontrado com o desembargador, obra do pintor Alfredo Volpi, reconhecido pela crítica como um dos artistas mais destacados da segunda geração do modernismo.
“O quadro foi um presente do pintor a meu pai, quando ele advogava há cerca de 40 anos”, esclareceu Ivo Júnior.
Movimentações financeiras do filho do desembargador despertaram a atenção da PF por causa de diversos depósitos em espécie registrados em suas contas, totalizando R$ 170 mil.
A todas as indagações Ivo Filho respondeu. Ele explicou que os depósitos são relativos a valores de suas vendas. Informou que fracionou os depósitos para o dinheiro ‘caber no envelope’ e que fazia as operações no caixa eletrônico porque era muito mais prático.
Nos autos da Operação Churrascada, a Procuradoria-Geral da República apontou indícios de possível utilização do empreendimento do qual o comerciante é sócio para a lavagem de dinheiro – inclusive pelo desembargador – considerando os créditos na conta da empresa, sem identificação da origem.
De acordo com a PF, 84,91% do valor recebido nas contas do empreendimento (R$ 8,4 milhões de um total de R$ 9,9 milhões) não têm identificação da origem do recurso.
Ivo Júnior foi sócio de uma incorporadora constituída para a construção de um edifício de 30 andares na rua Carolina Soares, zona Norte de São Paulo. A PGR sustenta que o desembargador seria o real proprietário de três unidades do empreendimento.
Segundo a Procuradoria, os apartamentos teriam sido adquiridos com os ‘proveitos do crime, na tentativa de ocultar o capital ilícito recebido pelos envolvidos’.
A Procuradoria informou o STJ que encontrou na caixa de e-mail de Ivo uma pasta com o nome do empreendimento, mensagens enviadas pela administradora do edifício e boletos a pagar referentes a dois apartamentos.
Ivo Júnior narrou à PF que alguns amigos de seu pai resolveram criar a incorporadora e ficou resolvido que ele entraria como sócio. Cada sócio recebeu 10 cotas do prédio, o que lhes deu o direito de vender as unidades.
O filho do magistrado assinalou que não vendeu nenhuma cota. Segundo ele, o administrador do prédio tratava diretamente com seu pai. Explicou que ficou com um apartamento, o qual hoje está alugado.
Em seu depoimento, o comerciante contou ter pago R$ 225 mil pelo apartamento e que seu pai emprestou R$ 200 mil. Dois apartamentos ficaram com seus irmãos e as outras sete cotas foram repassadas aos sócios. Ivo Júnior contou ainda que só ficou sabendo, no bojo da investigação, que os boletos das unidades dos irmãos estavam em seu nome. Afirmou que esses boletos não chegavam a ele.
A PGR também aponta que a incorporadora do qual Ivo Júnior é sócio vendeu um apartamento do prédio para a ‘provável esposa’ de Valmi Sampaio – já falecido -, apontado como interlocutor do desembargador no suposto mercado de sentenças.
De acordo com a Procuradoria, a mulher de Valmi vendeu o apartamento à mulher de José Santoro – sócio de Wilson Júnior, outro suposto interlocutor do magistrado, em um posto de combustível sob suspeita de lavar propinas.
Sobre o apartamento de Valmi, o filho do desembargador disse que não participou do negócio. Declarou que não sabe de quem o amigo de seu pai comprou o imóvel.
A PF ainda perguntou especificamente sobre o episódio em que o advogado Luiz Pires de Moraes Neto entrou com um pedido de reconsideração de liminar, junto ao gabinete de Ivo de Almeida, no mesmo dia em que o empreendimento imobiliário recebeu um depósito em espécie de R$ 65 mil – o advogado foi preso há duas semanas.
Ivo Júnior disse que desconhecia o depósito. Durante sua oitiva na PF, os advogados do comerciante indicaram que questionaram a incorporadora sobre o tema. Segundo os advogados, foram encontrados documentos na empresa de uma compra e venda entre um sócio e um outro comprador e que esse seria o motivo do depósito de R$ 65 mil.