Cine Petrópolis: um lugar deslumbrante para ver e viver histórias

10/06/2018 16:00

A sensação de deslumbramento era inevitável. A fachada de mármore separava o corriqueiro do suntuoso. Em uma questão de segundos, o cinza dos paralelepípedos dava lugar ao tapete vermelho dedicado aos visitantes. Rodeado por espelhos e luxuosas instalações, difícil era um frequentador do Cinema Petrópolis não se sentir a estrela do próprio filme.

Um lugar para se ver e viver histórias. Para Leandro Rodrigues, de 47 anos, passar pela frente do estabelecimento significa reviver o passado a partir de um turbilhão de memórias que vêm à tona. “Meu pai sempre me levava ao cinema para assistir ao Festival Tom & Jerry aos domingos. Depois, na minha adolescência, assistimos aos filmes do 007, que ele adorava. A meu convite, o último filme que vimos juntos no Cinema Petrópolis antes dele falecer foi “Os Intocáveis”, em 1987. Era meu melhor amigo e, desde pequeno, por conta dele, Mutabyra Rodrigues, nutro uma paixão por cinema”, diz emocionado.

Leandro descreve o referido espaço como um lugar fantástico em que cada detalhe, por mais simples que fosse, desempenhava um papel fundamental na composição final do grande evento que era estar lá.

“Era um ritual curtir o cartaz do filme em exibição e os vários recortes de cenas que ficavam ao seu redor, passar na roleta e na antessala, enorme e luxuosa. Nela, eram vendidas balas e chocolates. Eu sempre escolhia a bala de caramelo da Nestlé ou a bala Mentex. Após os filmes, meu pai gostava de ir ao restaurante Mauricio’s, na Rua 16 de Março, para beber um chopinho, comer um petisco e comprar para mim um gostoso Guaraná Caçula”, relembra.

O petropolitano conta que viu o empreendimento fechar suas portas com pesar. “Igual a minha história, quantas outras não foram vividas lá?”. O estabelecimento funcionou por 83 ilustres anos e, como aponta a pesquisadora de cinema Aline Castella, apesar de não ter sido o mais antigo, foi, por muito tempo, o maior cinema da cidade com, segundo ela, 1.500 lugares.

“Ele foi inaugurado em 1913 como Teatro Xavier e, no ano seguinte, já começa a exibir filmes. Naquela época, era comum que isso acontecesse. O cinema ainda não existia enquanto arte autônoma então dividia espaço e palco com os teatros. Em 1916, passa a se chamar Teatro Petrópolis e é só a partir de 1941, com a chegada de Luiz Severiano Ribeiro, grande empreendedor brasileiro, que se torna Cinema Petrópolis”.

Aline explica que, a partir da abertura das salas, há uma popularização do espetáculo, que se torna a única diversão da semana e até do mês das famílias; sendo também fonte de aquisição de informação a partir dos cinejornais.

“Era uma atividade familiar. As matinês reuniam famílias inteiras. Esses espaços eram muito frequentados e havia todo um aparato de comércio que vivia em torno deles como os cafés e lojas de roupa feminina. Para as mulheres, era importante que entrassem no cinema impecáveis, tal qual as atrizes, para que se vissem como as artistas da tela”. 




Quem acompanhou de perto todo esse movimento foi Vera Eloisa, de 73 anos. Na década de 60, ela trabalhou na bilheteria do negócio. “Era um movimento muito bom. As sessões costumavam esgotar. Algumas filas iam até a Praça Dom Pedro. Era algo que fazia parte da vida de Petrópolis. É uma pena ter acabado”.

Quem também guarda lembranças da sofisticação do Cine Petrópolis é uma de suas ex-frequentadoras, Gabriela Loureiro, de 75 anos. “O Cinema Petrópolis era uma referência para a minha geração. A entrada era muito bonita, toda espelhada. Fazia-se uma espécie de desfile das meninas e depois das senhoras. Nós nos arrumávamos para ir ao cinema. Era um programa, uma época muito boa. Acho que os tempos dourados de muita gente”.

Casada há 55 anos, Gabriela teve capítulos de sua vida marcados pelo requinte do local. “Namorei, noivei e casei indo ao Cinema Petrópolis. Aos domingos de manhã, frequentávamos a missa na Catedral, tomávamos café no D’Ângelo e, depois, íamos para a pré-estreia no cinema. Meu marido era médico, dava muito plantão e, como não tínhamos muito tempo, passeávamos no Centro. A diversão era ir ao cinema e tomar café no Toni’s”, recorda contente.

De acordo com Aline Castella, a maioria dos pesquisadores atribui o fechamento do Cinema Petrópolis a uma queda da frequência do público ao cinema de rua. “Quando você abre os cinemas em shoppings e passa a oferecer estacionamento, segurança e alimentação, tudo condensado em apenas um lugar, os cinemas de rua acabam perdendo espaço”.

“É muito difícil que um cinema sobreviva única e exclusivamente de sua existência e, com o Cinema Petrópolis, não foi diferente. O espaço foi explorado de diferentes maneiras, sediando concertos e bailes de carnaval, mas se tornou insustentável mantê-lo e, por algum motivo, Luiz Severiano Ribeiro o vendeu em 1996 para igrejas, como aconteceu com alguns cinemas”, conclui.

Para Aline, o que há de mais encantador no cinema “são as inúmeras possibilidades que a relação tempo-espaço permite dentro e fora da tela; as inúmeras narrativas que podem surgir na subjetividade de cada um a partir de uma experiência coletiva”. E talvez fosse esse o caso dos frequentadores do Cinema Petrópolis. Estrelas de suas próprias narrativas que ajudaram a escrever e a guiar seus personagens naquele mundo à parte. 


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