Cobertura vacinal volta aos anos 1980: especialistas alertam para risco de ressurgimento de doenças graves

11/09/2021 07:35
Por Júlia Marques / Estadão

Apesar de menos atingidas pela covid-19, as crianças ficaram mais suscetíveis a outras doenças que podem ser evitadas com vacinas disponíveis há décadas no Brasil. A cobertura de vacinação contra infecções como tuberculose e sarampo, que já vinha em queda, despencou ainda mais durante a pandemia. As taxas voltaram aos níveis da década de 1980 e especialistas alertam para o risco de ressurgimento de doenças graves.

Dados sobre a cobertura vacinal no Brasil foram apresentados ontem pela assessora técnica da Coordenação Geral do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde Antônia Teixeira, durante evento realizado pela Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim). Fake news e até o desconhecimento sobre as vacinas pelos profissionais da saúde são apontados como causas da queda na cobertura. A pandemia travou ainda mais a vacinação.

Entre o início da década de 1980 e o fim dos anos 1990, houve tendência de aumento na cobertura vacinal no Brasil, com estabilidade em patamares elevados nos anos 2000. A partir de 2015, verificou-se a redução na cobertura. “Observamos uma queda progressiva e bem acentuada, onde o último período, de 2019 a 2021, retorna aos níveis de cobertura vacinal do primeiro período, de 1980 a 1982”, afirmou Antônia.

Em relação ao ano de 2019, houve redução na cobertura de todas as vacinas no ano passado, com exceção da pentavalente (contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e a bactéria haemophilus influenza tipo b). Para a poliomielite, doença grave que causa paralisia, por exemplo, a cobertura chegava a 98% em 2015, mas caiu para 76% em 2020. Em relação a 2019, a redução foi de oito pontos porcentuais, conforme dados do Ministério da Saúde.

Também houve queda na cobertura da hepatite B. A taxa chegava a 79% em 2019 e, no ano passado, ficou em 63,4%. A aplicação da vacina BCG, contra a tuberculose, alcançava 3 milhões de doses em 2015 enquanto que no ano passado foram aplicadas apenas 2,1 milhões. Os dados estão sujeitos a alterações, mas evidenciam a necessidade de traçar estratégias para alcançar as crianças.

No ano passado, a porcentagem de municípios com cobertura adequada em crianças menores de um ano de idade ficou abaixo de 50% para sete vacinas. Só 38% dos municípios têm vacinação adequada contra a pólio, por exemplo – menor porcentual pelo menos desde 2015. É considerado adequado o porcentual acima de 90% para rotavírus e BCG e superior a 95% para os demais imunizantes.

O desafio é maior na Região Norte. A segunda dose da tríplice viral, por exemplo, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola, alcançou menos de 50% de cobertura em todos os Estados do Norte neste ano. O resultado da taxa baixa é o reaparecimento do sarampo, que já era considerado erradicado.

Em 2019, foram 20,9 mil casos confirmados de sarampo. Neste ano, há casos nos Estados de Pará, Amapá, Ceará, Rio, São Paulo e Alagoas. Durante a pandemia, houve queda na incidência do sarampo e de outras doenças de transmissão respiratória – apesar da redução na cobertura pelas vacinas -, o que tem relação com isolamento social e uso de máscaras.

Pesquisadores temem, porém, que as doenças voltem a aparecer com o retorno das interações sociais e a baixa vacinação. “Estamos brincando com o fogo”, disse o professor de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará Robério Dias Leite, durante o evento da Sbim.

Atuação

Segundo especialistas, a queda nas coberturas não foi causada pela pandemia, mas agravada por ela. Entre os fatores estão o medo de buscar a vacina e contrair a covid, além da desarticulação da atenção nos postos. Nas fases mais agudas da pandemia, até Unidades Básicas de Saúde foram usadas para atender pacientes.

O reaparecimento dessas doenças se torna um problema ainda maior uma vez que parte dos profissionais de saúde não está capacitada para tratar essas infecções – porque nunca viu casos do tipo. Também não é pequeno o número de médicos que não prescrevem as vacinas – o que demanda melhoria na formação. “Infelizmente o que temos observado é que não só os políticos são anticiência. Nossos colegas também. Temos de ser o exemplo e tentar convencê-los”, disse Juarez Cunha, presidente da Sbim.

Em nota, o Ministério da Saúde informou que, mesmo na pandemia, a imunização é mantida e a orientação é para que a população procure os postos. A pasta orienta, ainda, que gestores municipais façam parcerias locais para descentralizar o máximo possível a vacinação.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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