Coisas de criança

17/04/2016 09:00

Sempre me diverti com as coisas de criança. Gosto da espontaneidade, da sinceridade que expressam, dos neologismos que criam. A primeira palavra que tenho na memória sobre isso, foi pronunciada pelo meu irmão. Como éramos crianças, brincávamos no quintal de casa. E nele, havia várias galinhas. Um dia, meu irmão viu uma pondo ovo. Para ele, aquela cena era inédita e gritou: 

– Mãe, mãe, a galinha tá “poisando”! 

Como geralmente a galinha que põe ovo começa a cantar, ele saiu apontando para ela e dizendo: – essa galinha tá “poisada”! 

Em virtude da crônica publicada neste jornal na semana passada, falando de coisas de criança, ouvi várias histórias engraçadas. Uma professora me disse que, durante uma aula de desenho, uma menina colocou o estojo de lápis sobre o ombro e encostou o ouvido, como se estivesse conversando pelo celular. De repente, a garota começou a falar alto:

– Eu quero você aqui agora. Vem pra casa logo. Sai desse butiquim. Fica aí só enchendo a cara de cachaça.

A professora deduziu que ela estava imitando a mãe conversando com o marido. Essa mesma colega falou de um garoto que gostava de brincar de policial. Ele já chegava para os amigos apontando os dedos como se estivesse com arma e gritando:

– Perdeu, playboy, vira pra parede, não olha pra minha cara, abre as pernas, bota as mãos pra cima.

Na escola em que eu trabalhava no Rio, uma professora ouviu o diálogo entre duas crianças no corredor da escola:

– O meu pai disse pra minha mãe que o pessoal da boca vai passar o cerol no teu pai, porque ele pegou um bagulho e ainda não pagou…

É preciso ter cuidado com o que se fala perto das crianças. Uma vez, a secretária de uma escola ligou para falar com o responsável de um aluno. O pai, meio aborrecido, desconfiando do que se tratava, falou para o menino: “diz aí que eu não estou”. O garoto deu o recado:

– O papai mandou dizer que ele não está.

Na sexta-feira passada, uma criança me levou a pensar sobre a rotina de trabalho. Recebi uma notícia, por volta das 11:00h, de que havia falecido uma prima da minha esposa. Parei tudo que tinha por fazer para acompanhá-la até a cidade, onde seria o velório. Saímos de Petrópolis às 14:00h. Chegamos às 16:00h. O enterro estava marcado para às 16:30h.

Ao chegar ao cemitério, vi uma criança com uma bota de cano longo que ia até o joelho. Estava parada com o ombro encostado no portão. Olhava tudo com um ar de seriedade, observava todo o movimento, às vezes, franzia a desta. O que me impressionou foi que, em nenhum momento, o menino se distraía, parecia compreender o que estava acontecendo. Tanta gente chorando diante da inexorável dor da morte. Ao lado desse menino, havia um senhor de chinelo e bermuda. Aproximei-me dele e iniciei uma conversa:

– É seu filho?

– Não, é meu neto.

– Ele o ajuda aqui no seu trabalho?

-Ajuda! Ele diz que, quando crescer, vai ser coveiro. Meu pai foi coveiro. Eu sou coveiro. Meu irmão é coveiro. Meu filho, que é pai dele, é coveiro. E ele quer ser coveiro. E todos trabalhamos aqui.

– Quantos anos ele tem?

– Seis anos.

– Mas ele não pode parar de estudar.

– Ele estuda de manhã. E, à tarde, ele vem pra cá. Não quer saber de bola, nem de ficar em casa, quer vir pra cá.

Naquele momento de profunda tristeza em que uns questionavam o sentido da vida e outros buscavam uma explicação para a morte, vi a seriedade de uma criança. Disse a mim mesmo: esse menino não está afetado pela displicência que a rotina traz. Se algum dia, vier a ser coveiro, e não mudar o jeito de ver  a realidade, não se limitará a somente enterrar corpos.

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