Coletivo cria espaço para a arte negra
Seja para apreciar quadros, esculturas, instalações artísticas, dançar, cantar ou assistir a projeções de obras audiovisuais, existem espaços em São Paulo que são desenvolvidos, administrados e frequentados, em sua maioria, por pessoas negras. São o que muitos chamam de quilombos urbanos – galerias, casas de eventos, salas de exposição com arte preta, feita por pessoas pretas, que retratem os interesses e fruição dessa parcela da população.
“A gente considera que esses pequenos quilombos urbanos, espaços de produção epistemológica, conceitual, independentemente da linguagem, são urgentes porque partem da necessidade de contribuir com a presença negra na história brasileira”, afirma Roger Ramos (Ramo), de 36 anos, um dos membros do Vilanismo, uma fraternidade formada por homens pretos artistas.
GARGALO
“A gente tem questões estruturantes, dentro do circuito de arte contemporânea, que sublimam a produção negra. A questão do não direito ao ateliê, por exemplo, é um gargalo muito acentuado. Quando a gente vê a produção de artistas brancos, os trabalhos vão ter um refinamento de material, de escala, de produção, de aporte de verba para autofinanciamento, porque normalmente eles herdam terra”, compara Ramo.
O Vilanismo surgiu, no final de 2021, como uma forma de artistas pretos tentarem desarticular essas forças, numa espécie de incentivo à produção artística própria e coletiva. A fraternidade ocupa uma espaço no Complexo Cultural Funarte desde o início do ano, que funciona como ateliê e como sala de exposição para seus trabalhos.
O ponto de partida foi uma pesquisa de Ramo, quando ele desenvolvia uma exposição em sua antiga galeria. “Eu estava começando a mapear o arquétipo do vilão, muito inspirado por MCs, a ver como funcionava esse construto”, conta Ramo. Conforme a pesquisa foi ganhando corpo, ele percebeu que era possível ir além e escreveu uma espécie de contramanifesto inspirado na Semana de Arte Moderna de 22, mas olhando outra efeméride ocorrida no ano passado: os 30 anos do Massacre do Carandiru.
“Acho que a gente se apropria do termo vilão porque nenhum ser humano vai conseguir aguentar a ira para sempre. Então, não importa qual seja minha trajetória, se eu for carinhoso sempre, no momento que eu mostrar um descontentamento com aquilo que esperam, vão me rotular como vilão”, explica Rodrigo de Souza Francisco (Carinhoso, de 25 anos), também da fraternidade.
ANCESTRALIDADE
O Vilanismo é ainda um espaço para desconstruir a ideia de que todos os pretos e pretas são iguais. “Ou são todos maus ou perfeitos. No meu trabalho, eu quero falar sobre o que vejo na periferia, que são problemas do próprio homem. Como crescer com a ideia de colocar a mulher branca como mais bela, para casar, problemas que eu sei que existem”, pontua Renan Teles, de 37 anos, também do grupo.
Um dos pontos que os vilões, como eles se chamam, defendem é a valorização de outros artistas pretos que vieram antes deles e que construíram caminhos que, de alguma maneira, facilitam a trilha deles no mundo da arte. “Iniciar um movimento de coletivo de homens pretos na arte contemporânea é dar sequência a esse trabalho já arquitetado por feministas e artistas negras”, lembra Carinhoso. “Esse é um espaço que a gente constrói de proteção das nossas vidas também”, pontua.
Onde ver artistas negros
Sesc Bom Retiro
A unidade do Sesc recebe atualmente a mostra Karingana, com obras de artistas que se dedicam à ilustração de livros infantis.
Museu das Favelas
Localizado nos Campos Elísios, exibe atualmente a mostra Xepa: Favela, Comida e Sustentabilidade.
Centro Casa de Angola
O espaço, na Mooca, tem áreas para exposição, além de uma cozinha especializada em gastronomia e culinária de países africanos
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.