Colo e um bom livro: o início do caminho para a formação de leitores

27/02/2022 08:00
Por Maria Fernanda Rodrigues / Estadão

Quando o interfone tocou e o porteiro do prédio perguntou se havia algum Cassiano Freire Miranda ali, Lucas levou um susto. Nunca ninguém tinha perguntado isso e, passado aquele estranhamento, ele respondeu que sim, tinha sim um Cassiano: seu filho que ia nascer. Estava chegando a primeira encomenda para ele – o primeiro kit do clube de assinatura de livros que sua mãe, Isadora Freire, de 36 anos, tinha feito no nome do filho que ainda demoraria alguns meses para chegar.

Cassiano, que começou a ouvir histórias ainda na barriga da mãe, tem hoje 4 meses. A hora da leitura na casa desta nova família de Brasília é sagrada. No final do dia, quando todas as rotinas já foram cumpridas e ainda não chegou a hora de dormir, Isadora pega seu bebê no colo ou o coloca no carrinho, estica a mão para alcançar os livros que ela deixou num cesto perto do sofá, e começa a ler para ele. Cassiano não entende as palavras nem as histórias, mas começa a aprender a ler sua mãe e a entrar em contato com as emoções. Dia desses, ao ler um mito grego para o pequeno, ela franziu a testa para fazer cara de espanto e, quando menos percebeu, o bebê estava mexendo a sobrancelha.

Tem uma outra hora boa para histórias lá. Cassiano nasceu prematuro, tem alergia alimentar e alguns desafios, como diz Isadora. E ainda precisa de vitaminas e de remédio para refluxo. Ele acorda, toma a medicação e só meia hora depois é que pode mamar. Como acalmar um bebê com fome e com dor? Com histórias. Isso Isadora aprendeu há cerca de 15 anos, quando foi voluntária na ONG Viva e Deixe Viver e lia para crianças em hospitais. “Muitas vezes aquilo era um consolo e um afago para aquela criança que estava com dor ou se sentindo sozinha e com medo”, comenta. Depois ela foi estudar biblioteconomia e, trabalhando em biblioteca escolar, mergulhou ainda mais neste universo literário – e quer o filho imerso nisso também.

CALMA. “A leitura é um momento essencial de quietude. Com a experiência de trabalhar com crianças, percebi que não dá para ter, todo o tempo, uma atividade agitada de música, de bater palma, de virar de cabeça para baixo, de correr, pular. Tem que existir um momento para a criança se acalmar. Ela precisa de silêncio, de um silêncio interno. É preciso acalmar os ânimos, o coração e a mente para que ele consiga se concentrar naquela história. Esse momento em que faço a leitura com o Cassiano é uma pausa do dia. Um momento em família, de afeto e calma”, diz a mãe de primeira viagem já muito segura do que quer para seu filho. Isadora imagina que lendo para o bebê ela está ajudando a criar um repertório para ele e que isso tudo trará ganhos futuros – em vocabulário, em percepção crítica do mundo.

Cassiano está tendo uma experiência parecida com a de Theo Silvestre Rosario, hoje com 6 anos – e um ávido leitor em alfabetização. “Eu gosto de todos os livros. E eu gosto deles porque é uma forma de me deixar inteligente e eu amo ser inteligente!”, diz o garoto dono de uma biblioteca de cerca de 200 títulos, que ouvia histórias na barriga da mãe e que, com os livros, ganhou muito mais do que vocabulário e repertório.

“Eu não consegui amamentar o Theo devido a uma cirurgia que fiz e, aquele momento tão esperado pelas mães, o do olho no olho, o da troca, o da intimidade, eu não pude ter com meu filho. E eu acho que, sem querer, isso aconteceu para nós de uma outra maneira: pelos livros. A leitura era, e é, o nosso momento”, conta Karin Silvestre, jornalista e professora de inglês de SP.

A leitura permitiu a criação de um vínculo entre mãe e bebê, algo primordial. Theo nunca se recusou a ouvir uma história e Karin nunca deixou de ler o que ele pedia – mesmo que fosse pela milésima vez. “Hoje, o Theo é uma criança que se expressa muito bem, tem um vocabulário amplo, conversa sobre vários assuntos com sequência lógica, é muito concentrado e desenvolveu uma excelente memória. Curiosidade, imaginação e criatividade não faltam a ele. As várias histórias lidas lhe possibilitaram a construção da empatia. E também é possível notar que a leitura, o contato com os livros, é algo que lhe é muito prazeroso, a ponto de no dia do brinquedo na escola ele pedir para levar um livro”, conta a mãe orgulhosa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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