Com menos nudez e mais debate, ‘Pantanal’ volta a bater recordes

23/06/2022 17:01
Por Danilo Casaletti, especial para o Estadão / Estadão

O perfil @remakepantanal no Instagram, feito por fãs da novela e que conta com quase 50 mil seguidores, costuma brincar: “Não é notícia repetida. Pantanal bate novo recorde de audiência”.

De fato, a trama criada por Benedito Ruy Barbosa, levada ao ar pela primeira vez em 1990, pela extinta TV Manchete, e que há três meses entrou no ar na Globo em nova versão, tem agradado a antigos fãs e conquistado uma nova geração de telespectadores, algo difícil de ocorrer quando se trata de remake de uma obra tão marcante – as novas versões de Pecado Capital e Ti Ti Ti fracassaram.

Adaptada por Bruno Luperi, neto de Barbosa, Pantanal não teve seu eixo central alterado. A saga do peão José Leôncio está sendo contada como foi originalmente concebida. As lendas, comuns na região, como a da mulher que vira onça e do velho que toma forma de uma sucuri, ainda envolvem o público.

Sem se tornar anacrônica, Pantanal convive muito bem com as adaptações que forçosamente Luperi foi obrigado a fazer – ele colocou em discussão, a título de exemplo, a ilusão do mundo em que vivem e atuam os influencers digitais.

“Perfeitamente adequada aos tempos atuais. Ou seja, Luperi está recontando a clássica história de seu avô dentro do tempo e espaço do século 21”, analisa Mauro Alencar, doutor em Teledramaturgia Brasileira e latino-americana.

O autor também avançou em temas que já faziam parte da primeira versão, mas que ganharam força em um momento em que a sociedade avança no debate de temas essenciais, como machismo e homofobia.

Se em 1990 a namorada preterida por Jove, tomada pelo desejo de vingança, espalhou que o jovem era “bicha”, em 2022 o ato se resumiu a um textão nas redes sociais, em forma de desabafo. O mesmo personagem, chamado de “frozô” pela peonada da fazenda do pai por não comer carne e ter medo de montar a cavalo, ganhou defesa veemente da amiga Guta e da quase madrasta Filó. A mesma Guta enfrenta o pai – que tem atitudes machistas e autoritárias com a mãe, Maria Bruaca.

Personagens

Em 1990, Juma, a menina selvagem, “filha da onça”, ganhou as manchetes de jornais e revistas. O trabalho da atriz Cristiana Oliveira, então iniciante, rendeu elogios. Seu olhar ao sair do rio lembrava, de fato, uma onça. Entrou para a galeria de personagens da telenovela brasileira.

Atualmente, Juma, interpretada por Alanis Guillen, divide a atenção do público com os peões Levi (Leandro Lima) e Tadeu (José Loreto), a resiliente Filó (Dira Paes), a misteriosa Muda (Bella Campos), a contestadora Guta (Júlia Dalavia) e a dupla Maria Bruaca (Isabel Teixeira), personagem que ganhou o apelido de Mary Bru entre os fãs, e o capanga Alcides (Juliano Cazarré).

Se antes as capas de revistas repercutiam os personagens, agora são as redes sociais que fazem deles o assunto da noite. Não é raro que seus nomes apareçam entre os mais comentados do Twitter, já na exibição do capítulo.

Para Alencar, o fascínio por toda a gama de personagens criados por Barbosa em Pantanal sempre existiu. “Na primeira versão, Guta, Bruaca e Muda, entre tantos outros, também fizeram sucesso. É que, à época, Juma era totalmente desconhecida e, com características fora do comum, catalisou a atenção da mídia na interpretação de Cristina Oliveira.”

Para Guilherme Bryan, coordenador do curso de pós-graduação em Teledramaturgia do Centro Universitário Belas Artes, a grande mudança entre os protagonistas é o fato de José Leôncio (Marcos Palmeira) e o Velho do Rio (Osmar Prado) serem interpretados por atores diferentes na versão atual.

“Embora ambos estejam muito bem em seus papéis, Cláudio Marzo (na versão original) teve um excelente desempenho. E o fato de ser o mesmo ator levantou ainda mais dúvida sobre quem de fato era a figura do Velho do Rio”, adverte.

Se na primeira versão os telespectadores eram apresentados a uma natureza quase intocada, no remake a preocupação com a destruição do bioma nas últimas três décadas é assunto que, vez ou outra, se faz presente no texto de Luperi.

Em uma sequência, quando a personagem Irma volta ao Pantanal depois de 20 anos e prefere chegar à fazenda de Zé Leôncio em uma chalana, há o seguinte diálogo entre ela e o condutor da embarcação, Eugênio: “(Hoje) há mais aviação no céu do Pantanal do que arara-azul”, diz ele. “A coisa tá assim nesse nível?”, questiona Irma. “A dona não imagina. Para quem conheceu isso aqui como eu conheci, ver as lavouras vindo para perto do Pantanal, nosso rio assoreando, dejetos na água, fogaréu se alastrando. E os bichos, coitados, têm que se virar sozinhos. (…) Eu amo esse Pantanal, mas amava mais o de antigamente, quando o tal progresso ‘tava’ mais longe de nós.”

Nudez

Bryan destaca que a mudança na paisagem também influenciou algo corriqueiro na primeira versão: o banho de rio dos personagens. Sim, eles continuam a existir, mas com um entorno visivelmente mais seco. Outra modificação diz respeito à nudez que, no passado, funcionou como grande trunfo da novela para fisgar a audiência. Se na primeira versão houve até nu frontal, agora as cenas são muito mais sugeridas ou integradas à paisagem. Isso se deve, é bom ressaltar, à classificação indicativa para o horário.

Para Alencar, a falta de corpos nus não atrapalha o desenvolvimento da história. “O que impera na história é a exuberância da natureza em si. A nudez é uma consequência da narrativa. Cabe lembrar, também, que a versão original foi ao ar um ano e meio após o fim da censura no País. E a sociedade clamava por liberdade”, pontua.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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