Comunidade petropolitana defende a permanência do Centro Alceu Amoroso Lima (CAALL) na cidade

Por Aghata Paredes

A Semana de Arte Moderna comemorou o seu centenário em fevereiro, mesmo mês em que Candido Mendes, professor, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), faleceu. Seu legado para o Brasil é enorme. Um de seus grandes feitos, inclusive, diz respeito à criação do Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade (CAALL), em homenagem ao crítico literário Alceu Amoroso Lima. O CAALL, que fica em Petrópolis, agora corre o risco de ser fechado.

Foto: Divulgação

Leandro Garcia, professor de Literatura Brasileira da UFMG, pesquisador e especialista na obra de Alceu Amoroso Lima, comenta que o autor foi o maior crítico literário do Modernismo, um grande epistológrafo e o principal intelectual católico leigo no Brasil. Um homem que publicou, em vida, 136  livros, além de milhares de crônicas na imprensa. “Nós não devemos pensar que a ideia de obra seja apenas os livros publicados de um autor. O que ele publicou na imprensa e escreveu de cartas também conta, porque exerceu o seu pensamento. Portanto, isso faz parte de sua obra.”, comenta Leandro. O arquivo de Alceu possui mais de 32 mil cartas.

Leandro conta que a história de Alceu com o CAALL, na Rua Mosela, tem muito a ver com a história do crítico literário com Petrópolis. Nas palavras do professor, a relação de Alceu com a cidade era mais do que uma relação de amor, era uma relação espiritual e simbiótica, por assim dizer. Mesmo tendo nascido no Rio de Janeiro, Alceu passou muitos anos de sua vida em terras petropolitanas. Isso porque sua família era dona de uma fábrica de tecidos, a fábrica Cometa, onde hoje é o Hiper Shopping. Nos anos 20, o crítico literário chegou a ocupar o cargo de diretor na fábrica.

Foto: Arquivo Museu Imperial – Fábrica de Tecidos Cometa

A relação de negócios, a princípio, deu lugar a uma relação muito familiar com Petrópolis. Os sogros de Alceu moravam na Casa de Visconde de Mauá, onde atualmente é a Casa da Educação. Nessa época, Alceu passou grande parte de seu tempo no local. 

Na década de 50, Alceu comprou a casa na Rua Mosela. Após sua morte, aos 89 anos, o local foi transformado no CAALL. Agora, o espaço corre o risco de ser fechado. Sobre isso, Leandro comenta: “A possibilidade de fechamento do CAALL não representa apenas o fechamento de um centro de pesquisas, mas também de um museu. Fechar um museu no Brasil é fechar conhecimento, cultura e negar o acesso das pessoas ao passado e à memória. As pessoas têm que ter clareza que é um paradoxo, no ano em que comemoramos 100 anos da Semana de Arte Moderna, estarmos prestes a perder o maior acervo particular sobre a história do Modernismo, tanto em documentos arquivísticos quanto em livros.”

Segundo o professor, o Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade é um dos acervos mais importantes do Brasil para se realizar pesquisas e entender sobre o Modernismo brasileiro. “Outras áreas também são contempladas no CAALL, como História, Filosofia e Direito. Lá as pessoas têm acesso a duas instâncias documentais: o arquivo literário, onde estão todos os documentos de Alceu – inclusive as cartas que recebeu ao longo da vida e algumas cartas enviadas, revistas e fotografias –  e a biblioteca, onde estão mais de 30 mil livros com grandes nomes do Modernismo. Livros que foram autografados e que receberam dedicatórias, inclusive.” 

Foto: Divulgação

A historiadora, pesquisadora e presidente do Sistema Municipal de Museus, Rachel Wider, também defende a permanência do CAALL: “Como alguém que se preocupa em manter a história e a memória, penso que leiloar um bem, como a casa de Alceu Amoroso Lima, é um verdadeiro crime contra o legado plantado pelo Candido Mendes, que fundou o CAALL. Nós sabemos que as instituições passam por dificuldades financeiras, mas os bens culturais deveriam estar protegidos desse tipo de atitude. Por mais que se consiga dinheiro com um leilão desse, a perda cultural é irreparável e nenhuma fortuna poderia trazer de volta a história que devemos proteger.” 

Rachel ainda comenta que o acervo sempre deu apoio a causas importantes, como a Comissão Municipal da Verdade. “Não é só Petrópolis que perde com a desmontagem do Centro Alceu Amoroso Lima pela Liberdade, é a cultura, a história e o nosso país. Perderemos um ponto de luta pelos valores humanos de nossa sociedade. Não podemos deixar isso acontecer.”

O Arquivo Tristão de Athayde/ATA foi fonte para muitas instituições e a Comissão Municipal da Verdade de Petrópolis, segundo o Presidente do Conselho Professor Eduardo Stotz, foi fundamental para as pesquisas, principalmente no que tange às perseguições sofridas pelos integrantes de igrejas e casas de candomblé e umbanda. 

Maria Helena Arrochellas, responsável pelo local, conta sua relação com o CAALL: “Estou no CAALL há mais de 20 anos, indicada ao Dr. Candido pelo Prof. Leonardo Boff. Na área acadêmica, o Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade promove  exposições, publicações de livros e seminários. O CAALL também atua nos espaços populares, através de cursos, debates, encontros e doações de bibliotecas comunitárias. Além disso, é membro atuante em Conselhos Municipais e em tudo que envolve Direitos Humanos e meio ambiente. Perder o espaço do CAALL é apagar um dos mais fortes testemunhos em favor da democracia e liberdade, Alceu Amoroso Lima e deixar no escuro fatos fundamentais para conhecermos a história em sua  busca por democracia e justiça.”, comenta. 

Maria Helena Arrochellas, responsável pelo local, Rachel Wider e outras pessoas da equipe criaram um abaixo-assinado para impedir a venda do CAALL. A mobilização tem recebido o apoio de centenas de pessoas.  

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