Confinato, Ergo Sum

30/09/2020 09:45

A pandemia levou-nos ao distanciamento, ao confinamento, às máscaras. A ouvir normas peremptórias e contraditórias. Tive de optar entre escutar a opinião das “news” ou os meus botões.

Era fácil; escolhi os botões. Vejam: o progresso acarretou o êxodo rural e o conseqüente inchaço das cidades. Que atraíram parcelas cada vez maiores de migrantes saídos do interior, largado este ao léu em benefício da modernidade da “urbs”. Pipocaram megalópoles pelo mundo, empilhando gente: 10, 15 ou mais milhões de seres a viverem engarrafados, sufocados, em meio à crescente barulheira e violência. Penso que todos saíram perdendo.

Morei em Botafogo entre 1935 e final de 1950. Do Morro da Viúva, tinha o luxo da vista do Pão de Açúcar com o anúncio da Água Salutaris enchendo o copinho. Vi nascer o Chicabon, fui ao Arpoador de bicicleta. Mais adiante, na Visconde de Pirajá e na Aníbal de Mendonça, em Ipanema, meados de 50 a meados de 70, ia comprar sorvete do Moraes, à praia com a família, ainda vi passar o bonde General Osório e a chegada do Peg-Pag. Havia paz nas ruas. A explosão populacional devida à incompetência política e à drenagem para a Ilha da Fantasia fez do Rio o que é hoje. Quem não viveu, não pode mais ver para crer. Creio que vim para Petrópolis para continuar em Ipanema, se é que dá para me entender. E acho que consegui.

Agora, redescobrimos o trabalho em casa, como faziam os camponeses, os artesãos e os pensadores da Idade Média. Home Office? Ora, na Natureza, nada se cria, tudo se transforma, ou é trazido de volta… Percebemos que cabia comparar a produtividade do trabalho em casa, graças à TI, e a decorrente da fórmula escritório no centro ou fábrica no subúrbio. Sofrer horas paradas no trânsito todos os dias, a poluir o ar. E, quando chega o feriadão, trocar o engarrafamento urbano para praticar o rodoviário, a lhe ocupar boa parte das horas de lazer e paz. O que buscam os cariocas de hoje, nos dias de descanso? Pois reencontrar o Rio de décadas atrás, com a paz, praias, Vista Chinesa, Alto da Boa Vista, concentrado de maravilhas que podiam ser degustadas em toda segurança, o que só podem fazer hoje saindo do Rio atual para buscar as memórias no Rio de ontem longe do apê.

Eu me pergunto se os satélites, a internet, os sinais de TV de qualidade, o fim do Bombril nas pontas das antenas, toda esta maravilhosa tecnologia moderna, acrescida do anunciado retorno dos modais ferroviário e hidroviário, e até – impensávbel – o final das obras da NSS e o sumiço da CONCER não nos estão convidando a trocar de mão o êxodo que esvazia o interior para sufocar as pessoas nos elevadores e “conduções” de pouca dignidade no “rush”.

Tempos atrás, assisti à interiorização de fábricas do entorno paulistano para o Sul de Minas. Varginha, Três Corações, Santa Rita do Sapucaí, e outras, ganharam plantas que vinham em busca da qualidade de via do Interior ao longo das BRs entre grandes pólos: São Paulo, Rio, BH. As pessoas riam à toa nas suas novas vidas, e descobriam, com espanto, que podiam almoçar em casa, que o ensino era tão bom quanto, que se podia ir a pé entre casa e trabalho… Com a volta do trem, então…

Pensemos.

Últimas