Contemplemos a Assunção de Maria ao Céu!

18/ago 08:00
Por Mons. José Maria Pereira

No dia 15 de agosto, a Igreja celebra a Solenidade da Assunção de Nossa Senhora, ou Nossa Senhora da Glória. 

A Igreja professou, unanimemente, desde os primeiros séculos, a fé na Assunção de Maria Santíssima em corpo e alma à glória celestial, como se deduz da Liturgia, dos documentos, dos escritos dos Padres e dos Doutores.

“Para nós, a Solenidade de hoje é como uma continuação da Páscoa, da Ressurreição e da Ascensão do Senhor. E é, ao mesmo tempo, o sinal e a fonte da esperança da vida eterna e da futura ressurreição” (São João Paulo ll, Homilia). Trata-se de uma festa antiga, que tem o seu fundamento último na Sagrada Escritura: de fato, ela apresenta a Virgem Maria estreitamente unida ao seu Filho divino e sempre solidária com Ele. Mãe e Filho mostram-se estreitamente associados na luta contra o inimigo infernal, até à plena vitória sobre ele.

Essa vitória expressa-se, em particular, na superação do pecado e da morte, isto é, em vencer aqueles inimigos que São Paulo apresenta sempre em conjunto (cf. Rm 5, 12.15-21; 1Cor 15, 21-26). Por isso, como a Ressurreição gloriosa de Cristo foi o sinal definitivo dessa vitória, também a glorificação de Maria, no seu corpo virginal, constitui a confirmação final da sua plena solidariedade com o Filho tanto na luta quanto na vitória.

Diz o Prefácio da Solenidade que proclama maravilhosamente o mistério celebrado: “Hoje, a Virgem Maria, Mãe de Deus, foi elevada à glória do céu. Aurora e esplendor da Igreja triunfante, ela é consolo e esperança para o vosso povo ainda em caminho, pois preservastes da corrupção da morte aquela que gerou, de modo inefável, o vosso próprio Filho feito homem, autor de toda a vida”.

Todos ressuscitaremos! Cada qual, porém, em sua ordem: como primícias, Cristo; em seguida, os que forem de Cristo, na ocasião de sua vinda (1Cor 15,23).

Entre aqueles que são do Cristo há uma pessoa que é “de Cristo” de modo único e inigualável: sua Mãe, aquela que O gerou como homem, que viveu com Ele, partilhando a oração, as alegrias, os trabalhos e, sobretudo, ficando a Seu lado ao pé da cruz. Para essa criatura, Jesus não esperou o fim dos tempos para uni-la a Si, na glória; imediatamente, depois de sua morte, Ela foi ao céu em corpo e alma. É essa uma convicção da Igreja, celebrada com uma festa muito antiga, mas, a partir de 1º de novembro de 1950, a festa tornou-se mais solene com a proclamação do Dogma da Assunção, pelo papa Pio XII.

O que diz para nós o Mistério da Assunção? Maria é, também ela, de um modo diferente de Cristo, o primeiro fruto: as primícias da Ressureição e da Igreja. Nela, Deus traçou como que um esboço daquilo que, ao final, acontecerá para toda a Igreja. Porque toda a Igreja, no fim, tornada como Maria, imaculada e santa, será elevada ao céu! A festa da Assunção, tão querida à tradição popular, constitui para todos os crentes uma ocasião útil para meditar acerca do sentido verdadeiro e sobre o valor da existência humana na perspectiva da eternidade. Indica para nós que é o Céu a nossa habitação definitiva. Dali, Maria encoraja-nos com o seu exemplo a aceitar a Vontade de Deus, a não nos deixarmos seduzir pelas chamadas falazes de tudo o que é efêmero e passageiro, a não ceder às tentações do egoísmo e do mal que apagam no coração a alegria da vida. 

Em Maria, Deus quis mostrar quão grande e profunda foi a redenção operada por Cristo e a que tamanha glória pode conduzir a criatura que se deixa envolver inteiramente. Maria, por sua vez, ensina-nos como chegar à glória que hoje contemplamos e nos abre o caminho. É um caminho traçado, em todo seu percurso, por duas linhas retas: “a fé e a humildade”.

Bem-aventurada és tu que creste! Maria foi uma pessoa de fé, sempre; acreditou na Encarnação e disse: Fiat- seja feita a vossa vontade; acreditou apesar do longo silêncio de Nazaré; acreditou no Calvário. Acreditou também quando tudo parecia estar sendo desmentido pelos fatos, também quando não compreendia; deixou-se conduzir docilmente por Deus, como uma ovelha que segue o Cordeiro conduzido à imolação, como é definida num hino da liturgia bizantina (Romano, o Mélode).

A carne de Jesus e a de Maria são a mesma carne. Portanto, a carne de Maria devia ter a mesma glória que teve a de seu Filho. São João Damasceno, no ano 749, escreve: “Era necessário que aquela que, no parto, havia conservado ilesa sua virgindade, conservasse também, sem corrupção alguma, seu corpo, depois da morte. Era preciso que aquela que havia trazido no seio o Criador feito menino, habitasse nos tabernáculos divinos. Era necessário que aquela, que tinha visto o Filho sobre a cruz, recebendo no coração aquela espada das dores das quais fora imune ao dá-Lo à luz, contemplasse-O sentado à direita do Pai. Era necessário que a Mãe de Deus possuísse aquilo que pertence ao Filho e fosse honrada por todas as criaturas como Mãe de Deus”.

A humildade é a explicação do mistério de Maria e da sua eleição. Ela foi “cheia de graça,” porque era vazia de si.

Para que Deus possa realizar “grandes coisas,” também em nós, para que possa conduzir-nos àquela glória final, alcançada por Maria, é necessário, portanto, que nós, também, apresentemos estes dois requisitos: a fé e a humildade.

Quem poderá ter uma fé pura e forte como a da Mãe de Jesus? Quem poderá alcançar a profundidade e a sinceridade da sua humildade? Ninguém! Podemos, porém, aproximar-nos dela, imitar- lhe a docilidade e a abertura a Deus. Podemos, sobretudo, rezar a Ela: Aumentai nossa fé; ensinai-nos a permanecer na humildade “sob a poderosa – e paterna- mão de Deus”. É a oração que, levantando o olhar, dirigimos-lhe neste dia, em que a liturgia nos apresenta Maria como Rainha sentada à direita do Rei.

Os textos bíblicos contemplam esta realidade: O trecho da Leitura (Ap 11, 19; 12, 1-10) apresenta uma mulher vestida com o sol, tendo a lua sob os pés, e do Filho que ela deu à luz, um varão, que irá reger todas as nações. Nessa imagem, a Mulher e o Filho representam Jesus Cristo e a Igreja, mas a mulher confunde-se também com Maria, pois, nela, realizou-se plenamente a Igreja.

O texto de São Paulo (1 Cor 15, 20-27), falando de Cristo, primícias dos ressuscitados, termina dizendo que, um dia, todos os que creem terão parte na Sua glorificação, mas em proporção diversa: “ Em primeiro lugar, Cristo, como primícias; depois, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda” (1 Cor 15, 23). Entre os cristãos, o primeiro lugar pertence, sem dúvida, a Nossa Senhora, que foi sempre de Deus, porque jamais conheceu o pecado. É a única criatura em quem o esplendor da imagem de Deus nunca se viu ofuscado; é a Imaculada Conceição, a obra prima e intacta da Santíssima Trindade em quem o Pai, o Filho e o Espírito Santo sentiram as suas complacências, encontrando nela uma resposta total ao Seu amor.

A resposta de Maria ao amor de Deus ressoa no Evangelho (Lc 1, 39-56), tanto nas palavras de Isabel, que exaltam a grande fé que levou Maria a aderir, sem vacilação alguma, à vontade de Deus, como nas palavras da própria Virgem, que entoa um hino de louvor ao Altíssimo pelas maravilhas que realizou nela.

Ela é a nossa grande intercessora junto do Altíssimo. Maria nunca deixa de ajudar os que recorrem ao seu amparo: “Nunca se ouviu dizer que algum daqueles que tivesse recorrido à vossa proteção fosse por Vós desamparado”, rezava São Bernardo. Procuremos confiar mais na sua intercessão, persuadidos de que Maria é a Rainha dos céus e da terra, o refúgio dos pecadores, e peçamos-lhe com simplicidade: Mostrai-nos Jesus!

A Assunção de Maria é uma preciosa antecipação da nossa ressurreição e baseia-se na Ressurreição de Cristo, que transformará o nosso corpo corruptível, fazendo-o semelhante ao seu corpo glorioso (Fil 3, 21). Por isso São Paulo recorda-nos (1 Cor 15, 20-26): “Se a morte veio por um homem (pelo pecado de Adão), também por um homem, Cristo, veio a Ressurreição. Por Ele, todos retornarão à vida, mas cada um a seu tempo: como primícias, Cristo; em seguida, quando Ele voltar, todos os que são de Cristo; depois, os últimos, quando Cristo devolver a Deus Pai o seu reino…”  Essa vinda de Cristo, de que fala o Apóstolo, disse São João Paulo II, “não devia por acaso cumprir-se, neste único caso (o da Virgem), de modo excepcional, por dizê-lo assim, imediatamente, quer dizer, no momento da conclusão da sua vida terrena?” Esse final da vida que para todos os homens é a morte, a Tradição, no caso de Maria, chama-o com mais propriedade dormição. Externamente, deve ter sido como um doce sono: “Saiu deste mundo em estado de vigília” (São Germano de Constantinopla, Homilia sobre a Virgem); na plenitude do amor. “ Terminado o curso da sua vida terrena, foi assunta em corpo e alma à glória celestial” (Papa Pio Xll). Ali a esperava o seu Filho Jesus, com o seu corpo glorioso, tal como Ela o tinha contemplado depois da Ressurreição.

A Solenidade de hoje nos enche de confiança nas nossas súplicas, pois, diz São Bernardo: “subiu aos céus a nossa Advogada para, como Mãe do Juiz e Mãe de Misericórdia, tratar dos negócios da nossa salvação.” Ela alenta continuamente a nossa esperança. Ensina São Josemaria Escrivá: “Somos ainda peregrinos, mas a nossa Mãe precedeu-nos e indica-nos já o termo do caminho: repete-nos que é possível lá chegarmos, e que lá chegaremos, se formos fiéis”. Porque a Santíssima Virgem não é apenas nosso exemplo: é auxílio dos cristãos. E, ante a nossa súplica – mostra que és Mãe –, não sabe nem quer negar-se a cuidar dos seus filhos com solicitude maternal.

Fixemos o nosso olhar em Maria, já assunta aos céus! Ela é a certeza e a prova de que os seus filhos estarão um dia com o corpo glorificado junto de Cristo glorioso. A nossa aspiração à vida eterna ganha asas ao meditarmos que a nossa Mãe celeste está lá em cima, que nos vê e nos contempla com o seu olhar cheio de ternura, com tanto mais amor quanto mais necessitados nos vê. “Realiza a função, própria da mãe, de medianeira de clemência na vinda definitiva” (São João Paulo ll). Contemplando Nossa Senhora da Assunção no Céu, compreendemos melhor que a nossa vida de todos os dias, não obstante seja marcada por provações e dificuldades, corre como um rio rumo ao oceano divino, para a plenitude da alegria e da paz. Entendemos que o nosso morrer não é o fim, mas o ingresso na vida que não conhece a morte. O nosso crepúsculo no horizonte deste mundo é um ressurgir na aurora do mundo novo, do dia eterno.

Maria foi elevada ao Céu em corpo e alma: também para o corpo existe um lugar em Deus. Para nós, o Céu já não é uma esfera muito distante e desconhecida. No Céu, temos uma Mãe. E a Mãe de Deus, a Mãe do Filho de Deus, é a nossa Mãe. Ele mesmo o disse. Ele a constituiu nossa Mãe, quando disse ao discípulo e a todos nós: “Eis a tua Mãe!” No Céu, temos uma Mãe. O Céu está aberto. O Céu tem um coração.

Confiemo-nos Àquela que – como afirma São Paulo Vl – “tendo subido ao Céu, não abandonou a sua missão de intercessão e de salvação”. A Ela, guia dos Apóstolos, sustentáculo dos Mártires, luz dos Santos, dirijamos a nossa oração, suplicando-lhe que nos acompanhe nesta vida terrena, que nos ajude a olhar para o Céu e que nos receba um dia ao lado do seu Filho Jesus.

Atraídos pelo esplendor celeste da Mãe do Redentor, recorramos com confiança àquela que do alto nos guarda e nos protege. Todos temos necessidade da sua ajuda e do seu conforto para enfrentar as provas e os desafios de cada dia; precisamos de a sentir mãe e irmã nas situações concretas da nossa existência. E para poder partilhar um dia também para sempre o seu mesmo destino, imitemo-la no dócil seguimento de Cristo e no generoso serviço aos irmãos. Este é o único modo para saborear, já na nossa peregrinação terrena, a alegria e a paz que vive em plenitude quem alcança a meta imortal do Paraíso.

Contemplemos Maria, a Assunta. Elevada ao Céu, Maria não se afastou de nós, mas permanece ainda mais próxima, e a sua luz projeta-se sobre a nossa vida e sobre a História da Humanidade inteira. Deixemo-nos encorajar para a fé e para a festa da alegria: Deus vence! E digamos com Isabel: bendita sois Vós entre todas as mulheres. Pedimos-te, juntamente com toda a Igreja: Santa Maria, rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte! Amém.

No dia dedicado às Vocações Religiosas, Maria é apresentada como Modelo de pessoa consagrada e um “sinal” de Deus no mundo de hoje. 

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