Cratera da BR-040: perícia judicial não descarta possibilidade de novas ocorrências

02/maio 08:13
Por Wellington Daniel

Uma perícia judicial entregue à Justiça Federal, em setembro do ano passado, não descarta a possibilidade de uma nova ocorrência como a de novembro de 2017 na Comunidade do Contorno, às margens do km 81 da BR-040, quando uma cratera de 70 metros de diâmetro se abriu. A Tribuna de Petrópolis teve acesso ao documento, que traz à tona também os problemas da paralisação da obra da Nova Subida da Serra (NSS).

Segundo o documento, na época da perícia, o terreno estava estável. Porém, a equipe entendeu que não está excluída a hipótese de outras ocorrências e desabamentos do teto do túnel, em função do que chamou de abandono das obras. A equipe diz que a subsidência, como é chamada a cratera tecnicamente, não ocorreu por caso fortuito, mas devido às ações relacionadas à escavação do túnel.

“Pelo exposto urge que sejam tomadas medidas de melhoria da segurança, não só das escavações do túnel bombeamento de água visando o fim da inundação deste, mapeamento de paredes e teto visando identificar zonas em possa vir a ser necessário melhorar, reformar ou implantar reforço, além de regularização das diversas drenagens naturais e de águas servidas que estão canalizadas sem que se tenha qualquer controle ou manutenção na comunidade do Contorno”, consta um trecho do documento.

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O túnel citado é uma parte da obra da NSS, que também foi paralisada, mesmo após as escavações. Desde a abertura da cratera, moradores apontavam este como o causador do problema, o que sempre foi contestado pela Concer, que diz que perícias apontam que não há uma relação entre a escavação e a cratera. No projeto da obra, era prometido como um dos maiores túneis do país, com mais de 5km de extensão (um quarto da nova pista).

Túnel modificou regime hídrico

A equipe da perícia diz que não há evidências que permitam criar um nexo causal entre o desabamento do teto do túnel e a cratera, mas diz que a construção modificou o regime hídrico local. Esta mudança pode ter causado a abertura da subsidência ou acelerado o processo. A equipe pericial considera este tipo de ocorrência incomum em Petrópolis e diz que não achou registros de algo do tipo na cidade.

Figura exemplifica como fluxo de água em direção ao interior do túnel pode ter acelerado a subsidência.
Foto: reprodução.

A perícia também aponta que há um relatório que encerra sem conclusões, mas foi possível notar progressivo abatimento e pequenos capelamentos (aberturas) na estrutura do túnel até que não foi possível prosseguir, o que demonstra uma obstrução. Diz ainda que podem existir outras obstruções em outras regiões.

De acordo com o documento, a área do desemboque do túnel, próximo a entrada do bairro Duarte da Silveira, estava alagada. Em fevereiro de 2023, foi necessário até mesmo um bombeamento prévio para a redução da água. Isso também reforça a possibilidade de outras ocorrências.

“(…) o túnel se encontra com suas obras não finalizadas, sobre ações hidrogeológicas e mecânicas, o que pode alterar com o tempo as condições atuais de estabilidade”, diz o documento.

Ainda de acordo com a perícia, a paralisação da escavação do túnel, quando apenas o suporte primário estava executado e o revestimento secundário ainda não havia sido aplicado, permitiu a possibilidade de desplacamentos localizados, apesar de não comprometer a estabilidade geral do maciço rochoso.

Comunidades do entorno

Além da comunidade onde houve a ocorrência de 2017, há outra que também está próxima ao trajeto do túnel. É a chamada Comunidade do Zizinho, que chegou a ser retirada de casa em 2017, como medida de segurança. Segundo a perícia, a subsidência não seria capaz de promover processos de instabilidade na região do Zizinho.

“(…) entretanto, tendo em vista que o túnel passa próximo da comunidade e, pelo entendimento dado por esta equipe de perícia à luz do processo que gerou o abatimento no Contorno, conforme explicações apresentadas em quesitos anteriores, entende-se que não se descarta a possibilidade de que outros processos similares possam ocorrer, inclusive em partes da comunidade do Zizinho”, consta de outro trecho.

Escavação do túnel passa próximo à Comunidade do Zizinho, a cerca de 290 metros de onde ocorreu a abertura da cratera. Foto: reprodução.

O que dizem os órgãos

A Tribuna de Petrópolis tentou contato com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o Ministério dos Transportes, mas não obteve retorno até a última atualização. A Prefeitura de Petrópolis também foi procurada, para informar as ações da Defesa Civil e Assistência Social na Comunidade do Contorno, e também não respondeu.

A Concer informou que todos os relatórios e esclarecimentos técnicos relativos ao tema estão apresentados no auto da ação civil pública, em conjunto de informações embasadas que não vinculam a ocorrência de 2017 ao túnel da NSS. Diz que as condições do túnel são boas, conforme relatado nas inspeções regulares e atestadas por monitoramento (leia a nota completa no fim da matéria).

A concessionária também traz recortes do laudo pericial citado nesta matéria. Em um, a perícia diz que “pelo exposto, não é possível definir uma relação de causalidade entre o desabamento do teto do túnel e a subsidência”. O documento, no entanto, prossegue e diz que “isso não implica dizer, entretanto, que não há ligação entre a subsidência e a construção do túnel da NSS”.

Outro trecho citado pela Concer diz que “nenhum dos vazios descritos anteriormente tem dimensões capazes de conectar o túnel à base da subsidência”. Nesta parte, a perícia também diz que o material da subsidência deveria estar depositado dentro do túnel, o que não foi possível concluir. Mas ainda assim, ressalta como o túnel pode ter contribuído para a abertura.

“Entretanto, não se descarta que esse processo possa ter ocorrido de forma concomitante à movimentação sub-horizontal, mas não mobilizando todo o volume de material da subsidência. Podem ter ocorrido os dois processos erosão sub-horizontal e erosão vertical parcial devem ter ocorrido de forma concomitante ao longo do tempo em que o túnel foi escavado na área em que ocorreu a subsidência (dezembro de 2014 a julho de 2015) até a data do evento da subsidência”, consta do documento.

Outro trecho citado pela Concer é: “A conclusão principal aqui é que há uma possibilidade substancial de que a construção do túnel não tenha desempenhado um papel causal na formação da cratera, nem que a formação da cratera tenha causado as instabilidades observadas no túnel.” Logo depois, a perícia complementa que “entretanto, o processo de detonação pode ter intensificado e acelerado o processo de condutividade hidráulico pelo fato da diferença de pressão bem como pelo aumento da abertura das descontinuidades oriundas do desmonte a fogo necessária”.

Audiência pede retomada das obras

Na última quinta-feira (25), uma audiência pública da Câmara de Deputados debateu a situação da BR-040 e das obras da NSS. O encontro aconteceu após requerimento do deputado federal Hugo Leal (PSD-RJ) e contou com a presença de figuras políticas, como o prefeito de Petrópolis, Rubens Bomtempo, e o presidente da Câmara de Vereadores, Júnior Coruja.

“A parada das obras favoreceu a ocorrência de diversos processos deletérios do suporte instalado no túnel e do maciço rochoso, com destaque para: corrosão nas armaduras, corrosão de ancoragens, formação de carbonatos a partir da dissolução do concreto projetado instalado, aumento da percolação de água e aumento do intemperismo dos maciços rochosos”, consta do relatório da perícia.

A Concer alega que as obras foram paralisadas devido à dívidas da União com a companhia. O Tribunal de Contas da União, no entanto, aponta para um suposto sobrepreço. O deputado Hugo Leal lembrou da ocorrência de acidentes e se disse preocupado com a atual segurança viária.

“Essas obras significam vidas, pois cada vez que elas se atrasam, acontecem acidentes e acidentes tiram vidas. A nossa prioridade é salvar vidas e depois vem a economia, o turismo e as outras atividades. Essas obras são segurança viária e esse é um assunto que tenho trabalhado aqui na Câmara dos Deputados desde o meu primeiro mandato”, disse.

“Precisamos que as obras sejam retomadas com urgência. O pedágio não é barato e essa empresa deve respeito aos usuários, não só com a conservação da via, mas também com o cumprimento de suas obrigações como a nova subida da serra. Além disso, também reforçamos a necessidade da implementação da ligação Bingen x Quitandinha, uma luta de anos e que o petropolitano não aguenta mais esperar” destacou o vereador Júnior Coruja.

Veja a nota da Concer na íntegra:

Todos os relatórios e esclarecimentos técnicos relativos à subsidência e ao túnel da Nova Subida da Serra estão apresentados nos autos da ação civil pública que trata do assunto, em conjunto de informações embasadas que não vinculam a ocorrência de novembro de 2017 na Comunidade do Contorno ao túnel da NSS. As condições do túnel são boas, conforme relatado nas inspeções regulares e atestadas por monitoramento.

O laudo pericial sobre a ocorrência não estabeleceu nexo de causalidade entre o túnel e a subsidência, conforme reprodução de trechos do documento abaixo:

· “Pelo exposto, não é possível definir uma relação de causalidade entre o desabamento do teto do túnel e a subsidência”; (fls. 80 do Laudo)

• “Nenhum dos vazios descritos anteriormente tem dimensões capazes de conectar o túnel à base da subsidência”; (fls. 80 do Laudo)

• “A conclusão principal aqui é que há uma possibilidade substancial de que a construção do túnel não tenha desempenhado um papel causal na formação da cratera, nem que a formação da cratera tenha causado as instabilidades observadas no túnel.” (fls. 278 do Laudo)

• “Não há elementos para se afirmar que os abatimentos do teto do túnel tenham correlação com a subsidência”; (fls. 281 do Laudo).

Sobre a audiência pública do último dia 25, a Concer agradeceu a oportunidade proporcionada pela audiência pública de poder anunciar que está pronta para a retomada imediata das obras da Nova Subida da Serra em até 45 dias após a otimização e reequilíbrio do contrato de concessão, podendo concluí-las em até 33 meses, bem antes das melhores estimativas previstas em um eventual cenário de uma nova concessão. A Companhia reúne todas as condições que atendem ao interesse público na conclusão antecipada da NSS, tendo projeto executivo revisado, atualizado e certificado, licenças ambientais vigentes e outros fatores que permitem uma rápida solução para o término das obras paralisadas pelo desequilíbrio contratual sofrido desde 2014.

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