CRISPR: um estranho tema

07/01/2016 11:00



Juntamentecom o pipocar dos fogos de artifício, um assunto inusitado ganhou asmanchetes. Trata-se do CRISPR, uma nova técnica que possibilita umainterferência rápida e segura no genoma, inclusive no humano. Paraentender o significado desta descoberta em termos de futuro dabiogenética e das biotecnologias, convém olhar um pouco para umpassado relativamente recente. 

Ogalopante avanço dos conhecimentos na área da genética tem váriosmarcos. Um deles é a descoberta da estrutura do DNA por J. Watson eF. Crick, em 1953. Já se sabia que nossa constituição biológicaabrange trilhões de células e que estas células dispõem de umnúcleo, onde se aninham os genes. Aqueles dois pesquisadoresconseguiram desvendar a estrutura do DNA, representada por umaespécie de dupla hélice. Outro marco importante foi à descobertado chamado “DNA recombinante”, através do qual se conseguiria“quebrar” e depois “colar” partes da fita de DNA de umabactéria. Esta descoberta causou tamanho impacto que um grupo decientistas se reuniu em 1976 em Alisomar, perto de Monterey, nos EUAe tomou a decisão de uma moratória, ou seja, o compromisso de nãolevar adiante tais procedimentos.

Portrás deste compromisso já estava à compreensão das consequênciasdaí decorrentes: possibilidade de transferência de um núcleo parao outro, de mesclar espécies diferentes, e até de criar seres quenunca existiram. Assim, o rompimento da barreira das espéciesemergia como a maior ameaça. Hoje, com a descoberta desta técnica,agora ao mesmo tempo mais simplificada e mais sofisticada, nãoapenas se conseguiria detectar, como também corrigir rapidamentedefeitos localizados em partes de um cromossoma. Por isso, mesmo comesta técnica, que possibilita a retirada de partes defeituosas, coma reimplantação de genes saudáveis, logo se associa àpossibilidade de curas espetaculares de doenças como câncer, AIDS,e por que não prevenir até eventuais ataques cardíacos.

Jáhá algum tempo em uma obra chamada “O século da biotecnologia –A valorização dos genes e a reconstrução do mundo”, Rifkin J.observava que “após milhares de anos fundindo, derretendo,soldado, forjando a matéria inanimada… agora estamos juntando,recombinando, inserindo e costurando material vivo…”. Ou seja,estamos efetivando um salto qualitativo, mas ao mesmo tempopreocupante.

Comrazão, vieram logo à tona as implicações éticas: a partir destatécnica seria possível não apenas corrigir defeitos genéticos,como produzir seres minuciosamente desenhados. Criar seres humanoscom características determinadas já não estaria mais no mundo dafantasia e por isso mesmo se constituiria numa perigosa possibilidadepara procedimentos de eugenia. Nos encontramos a um passo dapossibilidade de produzir em laboratório somente seres humanosconsiderados perfeitos e úteis. Se até hoje, os chamados “bebêsde proveta” resultam da combinação de óvulos e espermatozoidespré-existentes, agora até estes elementos básicos poderiam seralterados ou produzidos para criar humanos sob medida.

Diantede descobertas como esta, a consciência ética traz à tona, masagora com veemência, uma tese há muito sustentada: nem tudo o que étecnicamente possível é eticamente admissível. Hoje, na prática,é preciso reconhecer que as técnicas já não conhecem limites. Masjustamente por isso o avanço tecnológico impõe um sempre maisacurado senso ético, para preservar a identidade profunda de todosos seres, mormente dos seres humanos. Em vez de esbravejar contra asdescobertas de cunho técnico – científico, parece muito maisacertado clamar por uma busca sempre mais aprofundada de parâmetroséticos que sejam abraçados por todos.

Infelizmente,há ainda muitas pessoas altamente intelectualizadas, mas que nãoperceberam onde está sendo decidido o futuro da humanidade. HojeBiogenética, Biotecnologia e Bioética não podem mais serconsiderados como campos reservados a alguns especialistas. Seusdesafios devem ser corajosa e conscientemente enfrentados por todos ediscutidos abertamente em todos os segmentos da sociedade.



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