Crônica do Ataualpa: A pureza e as respostas das crianças

13/02/2022 08:00
Por Ataualpa Filho

Sabe aquele sorriso que surge assim de repente quando somos surpreendidos pela ingenuidade de uma criança diante de uma pergunta ou de uma resposta inesperada? Pois bem! Foi esse sorriso que vi no rosto de um senhor que encontrei sentado no banco da praça Prefeito Alcindo Sodré. Com as pernas cruzadas, o cotovelo direito apoiado na mochila e o braço esquerdo estendido sobre o encosto do banco, parecia conversar com alguém de forma descontraída, porém com a atenção de um pai ou de uma mãe que observa o filho brincando no parque. Mantinha, no semblante, um ar de sabedoria, mas com um olhar fixo em um ponto imaginário. Havia uma descontração, em síntese, um instante de paz.

Fiquei muito feliz em vê-lo desfrutando de um momento de tranquilidade. Aqui estou compartilhando essa alegria, porque dias antes, eu o vi na praça dos Expedicionários, vociferando furiosamente. Eu não conseguia entender o que ele falava, mas podia identificar uma profunda angústia. Discutia com um ser invisível. Não havia como interferir naquela discussão. Apenas pedi a Deus e a Nossa Senhora que dessem tranquilidade a ele.

Quando o avistei pela primeira vez em Petrópolis, achei que ele não ficaria aqui por muito tempo. Estava com o cabelo muito grande, uma roupa bastante suja, um saco pesado nas costas. Pelos aspectos, parecia tratar-se de um trecheiro, um andarilho errante. As noites frias de inverno são difíceis para quem vive nas ruas…

Ele está nesta cidade há mais de oito anos. Nunca o vi pedindo algo a ninguém. Anda sempre sozinho, carregando um silêncio que vi quebrado em um momento de angústia. A loucura tem esse lado torturante, porque o conflito interno, fora do controle da razão, geralmente é considerado como doença mental. A verdade é que ninguém está livre das aflições que ocorrem dentro de nós. Cada um sabe o peso dos conflitos que há dentro de si. Precisamos aprender com as crianças, pois carregam os “pães” e os “peixes” que podem ser multiplicados…

Abro aqui um parêntese para lhe contar uma história que ouvi sábado passado (05/02):

Um menino muito ligado ao pai, que é ministro da Eucaristia, não se conformava em vê-lo no altar durante a celebração da missa e ele no banco com a mãe assistindo. Quando estava com dois ou três anos de idade, fez a seguinte pergunta:

– Pai, por que não posso ficar com o senhor do lado do padre na missa?

– Você ainda é muito criança. Quando você tiver cinco anos, vai pode ser coroinha e ficar lá comigo.

O pai deu essa resposta no calor do momento para conter as indagações do filho. Mas o tempo passou. Quando a criança completou cinco anos, na comemoração do aniversário, com ar de felicidade, falou:

– Agora já posso ser coroinha e ficar com o senhor ao lado do padre na missa…

O pai havia se esquecido do que havia tido ao filho. Naquele instante, não fez nenhum comentário. Procurou o pároco e contou o fato. O problema estava nos paramentos, pois não havia, na igreja, nenhum para criança de cinco anos. A mãe e os avós deram jeito, mandaram confeccionar um paramento exclusivo para ele.

A euforia de ser coroinha era tanta que passou a brincar de padre. Envolvia todos da família, até os avós tinham que participar das celebrações improvisadas em casa.

Na missa, ao lado do pai no altar, sentia-se realizado. Sentado na cadeira, os pés não tocavam o chão. Movido pela felicidade da sua realização, balançava as pernas com uma visível alegria. Só que um dia, o tênis saiu do pé e quase acertou o padre durante a homilia. Quem viu não conteve o riso…

Mas, a rotina do compromisso foi tirando o clima da novidade. Em função de sua estatura e da altura do altar, ficou restrito a algumas participações. Um dia, o padre percebeu que estava um pouco disperso na missa. E, na sacristia, dirigiu-se a ele:

– Acho que hoje você tava um pouco cansado, só queria ficar sentado…

Com o semblante sério e demonstrando cansaço, respondeu:

– É! Hoje eu só vim mesmo pra tocar o sino…

Após esse episódio, os pais conversaram com ele em relação ao compromisso que havia firmado. Decidiu continuar ajudando. Mas não pretende ser padre. Disse que, quando ficar adulto, vai casar e ter dois filhos e morar perto dos pais para receber a visita deles.

Para fechar o parêntese que abri, digo apenas que o menino continua sem colocar os pés no chão quando está sentado na cadeira do altar. Mas participa da celebração com a seriedade de quem honra a palavra empenhada. Sou fascinado pelos loucos e pelas crianças, pois me ensinam muito…

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