Crônica do Ataualpa: Amar e vencer a distopia

13/03/2022 09:14
Por Ataualpa Filho

A sincera gratidão é imensurável. Tem como limite a eternidade. O “muito obrigado” de coração aberto materializa o desejo de retribuir a “gentileza que gera gentileza”, assim como o amor que só com amor se paga. É pelo amor que a dor se apaga e permite a cicatrização. A dor que atinge a alma jamais é esquecida. Mas é preciso superá-la, porque a vida tem que continuar. A superação ganha mais força quando se reconstrói aquilo que retém a nossa razão de viver.

É certo que o nada do depois é pior do que o nada do antes quando o durante nos permitiu momentos felizes. A eternidade dos instantes vividos transforma-se em energia propulsora da reconstrução, do recomeço. É verdade que “nada será como antes”. Mas o amanhã nunca será a repetição do ontem. O tempo não nos permite ver o mesmo pôr do sol mais de uma vez. Antes de Cristo, o filósofo Heráclito já afirmara:

“Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou. Assim, tudo é regido pela dialética, a tensão e o revezamento dos opostos. Portanto, o real é sempre fruto da mudança, ou seja, do combate entre contrários”.

A chuva que caiu na cidade de Petrópolis em 15/02/2022 não é a mesma que caiu em outros anos provocando estragos. Mas as tragédias se repetem, o que muda é o número de vítimas, de famílias atingidas, uma vez que os problemas se agravam pela omissão de gestores públicos. As ações para evitá-las dependem das decisões políticas voltadas para o planejamento urbano. E também dependem da formação de uma consciência preservacionista que se manifesta em defesa da natureza. Nesse item, as atitudes dos cidadãos, desde o voto colocado na urna até a preservação ambiental, são de suma importância na diminuição dos fatores que podem contribuir para as ocorrências das catástrofes provadas por fenômenos naturais.

Temos apenas uma vida que precisa ser esculturada no Bem para aspirar ao eterno. O amor é a única estrada que leva à eternidade. Mas o homem busca atalhos na ilusão de ser deus.

A humanidade pena pelo ódio disseminado nas guerras. Há uma história escrita com a exploração do suor e o derramamento de sangue de inocentes.

Registra-se historicamente a destruição do homem pelo próprio homem em campos de batalha. Pelos horrores dos conflitos bélicos, é fácil identificar os malefícios do ódio. E assim, compreender as razões pelas quais insistimos em apontar o amor como diretriz para se alcançar a paz. É triste ver o óbvio tachado de utópico pela resistência armada da tirania.

Confesso que ainda sonho. Ainda acredito na vitória das flores sobre os canhões. Ainda acredito na possibilidade de se estabelecer a paz entre os homens…

Hoje exponho as minhas convicções utópicas, porque preciso respirar diante de tantas incredulidades. Tenho a certeza de que permanente é a mudança. O fluxo do tempo, embora lento aos nossos olhos, traz o amanhã no movimento imperceptível dos segundos. Nenhum tirano se perpetua no poder. O tempo os vence.

O desespero nos domina quando queremos que o tempo tenha a velocidade dos nossos desejos. Trago da infância uma frase frequentemente pronunciada pela minha mãe: “o que não é para sempre, sempre se aguenta.”

Até as dores são transitórias. Aprende-se a lamber rapadura para não perder o doce da vida, nem a doce vida.

Em período de desesperança, o pensamento niilista vem à tona pela descrença na humanidade. Na semana passada, fui surpreendido com a reação de um amigo que anda meio cético diante da realidade em que vivemos. Após relatar a crueldade que emana da natureza do ser humano, eu concordei com o que ele havia dito. Diante da minha concordância, com uma voz um pouco resignada, falou:

– O meu ceticismo ficou ainda maior. Você, que é tão esperançoso, concordar comigo é porque a situação está feia…

Depois do sorriso que surgiu espontaneamente, tive que me explicar, pois carrego também esse questionamento desde os primeiros anos de universitário, quando me deparei com a teoria do “bom selvagem”, fundamentada no pensamento de Jean-Jacques Rousseau que defendia o seguinte princípio: “O homem é bom por natureza. É a sociedade que o corrompe”.

A essência da natureza humana é questionada milenarmente. A vileza se constata em todas as civilizações. A conduta vilã perpassa pela história da humanidade. A concepção de paz entre os homens também atravessa séculos. Mas até hoje só é possível ser concretizada por meio de um ato revolucionário: “amar o próximo como a si mesmo. ” Sigo o Autor dessa frase…

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