Crônica do Ataualpa: Vícios e virtudes

26/06/2022 08:00
Por Ataualpa Filho

Ainda acredito na pessoa humana. Ainda acredito nos “homens de boa vontade”. Ainda tenho esperança. Ainda sonho. Se não existissem as utopias, como estaríamos vivendo nesta realidade? Assim como Gonzaguinha: “Eu acredito é na rapaziada/ Que segue em frente e segura o rojão/ Eu ponho fé é na fé da moçada/ Que não foge da fera e enfrenta o leão/ Eu vou à luta com essa juventude/ Que não corre da raia a troco de nada/ Eu vou no bloco dessa mocidade/ Que não tá na saudade e constrói/ A manhã desejada.”

É preciso saber que no horizonte, ali onde o céu encontra o mar, onde o Sol desponta para iluminar o dia, existe a certeza do continuar. Mas é aqui que temos que viver em paz para ter alegria, felicidade. Sem amor, como construir o paraíso na Terra?…

No momento, cabe uma ressalva: utopia não é ilusão, nem fantasia, nem fuga da realidade…

Atravessamos uma dura semana com notícias tristes. A natureza humana ainda é indecifrável. Já estou quase me convencendo de que as leis, as normas nascem do absurdo, ou seja, são rédeas para conter a fera homem no convívio social.

Quando jovem, mais precisamente em 1986, quando foi lançado o clássico álbum dos Titãs “Cabeça Dinossauro”, cantava no anonimato da plateia, em uma alucinação punk, quase em manifestação catártica, os versos da canção “Polícia” de Tony Bellotto: “Polícia para quem precisa/ Polícia para quem precisa de polícia/ Polícia para quem precisa/ Polícia para quem precisa de polícia…”

Hoje amadurecido nas utopias, já penso em uma sociedade sem polícia, com aquela referência que o Ari do Cavaco e Bebeto Di São João deixaram na canção “Reunião de Bacana”, imortalizada na interpretação do grupo Exporta Samba, na qual há um verso que ficou na memória popular, “se gritar pega ladrão não fica um meu irmão”: “se leva o bagulho e se deixa a grana.”

O simples ato de pegar o “bagulho”, ou seja, o que lhe pertence, e deixar a “grana”, o dinheiro, não se trata apenas de autoatendimento, requer um grau de consciência. O processo civilizatório exige a sedimentação das virtudes. Por isso que o trabalho educacional para mudança de uma sociedade não fica limitado às ações das instituições de ensino. Há um processo educacional que ocorre fora das escolas, norteado por valores que a sociedade estabelece como imprescindíveis. O problema reside, às vezes, nos “modismos” que exercem sérias influências negativas.

Diante do enfraquecimento das virtudes morais, constatamos o crescimento de ações ilícitas que contribuem o aumento das desigualdades sociais, que se materializam da velha frase: “poucos com muito e muitos sem nada.”

A fé, a caridade e a esperança, consideradas como virtudes teologais, devem ser visíveis nas atitudes dos cristãos. Por isso, não podemos nos deixar abater pela desesperança, pela incredulidade. As ações altruístas devem consolidar o conceito de fraternidade, tão necessário na construção da paz entre os homens.

É fácil constatar que os antivalores alimentam os vícios. O ódio, a hostilidade, o egoísmo, a discórdia, a indiferença, a corrupção, a exclusão, a ganância, em suma, o que desumaniza o homem está na raiz da desagregação social. O bem comum não se constrói com desvalores. A desvalorização do outro passou a ser uma prática constante, vista claramente até na subestimação da inteligência do povo. As contradições políticas são tão flagrantes que evidenciam a confiança na impunidade.

E, no terreno fértil das impunidades, crescem os vícios. Não me refiro aqui aos casos de consumo das drogas lícitas ou ilícitas, mas de uma prática costumeira que danifica o tecido social. O clientelismo, o tráfico de influência, a corrupção, o jogo de cartas marcadas para a manutenção do poder. Há um sistema viciado que protege uma elite e explora os menos favorecidos. Na minha insignificante concepção, “onde há fome, não há democracia”. Não é possível rotular um país como democrata, quando parte da população dele vive abaixo da linha da pobreza, uma vez que, o direito à vida deve ser colocado em primeiro plano.

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