Cúpula democrática de Biden termina sem acordos ou soluções concretas
Em queda de braço com potências rivais, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, buscou reforçar laços com parceiros estratégicos da Casa Branca nesta semana, usando o mote da defesa da democracia. O americano cumpriu uma promessa de campanha ao organizar a Cúpula pela Democracia, mas terminou a sexta-feira sob críticas, por fazer um evento em que muito se falou, mas que não apresentou compromissos coletivos capazes de frear investidas autoritárias ao redor do mundo.
A Cúpula pela Democracia fez Biden acumular desgastes. O americano ampliou a animosidade dos rivais, China e Rússia, que foram deixados de fora do evento pelos EUA.
A lista de convidados, por sua vez, deixou claro que os EUA priorizaram interesses estratégicos aos valores democráticos. Apesar de rejeitarem o Kremlim e Pequim por falta de credenciais democráticas, os americanos saudaram a participação de governos como o de Rodrigo Duterte, nas Filipinas, e de Andrzej Sebastian Duda, da Polônia — além de Congo, Iraque e outros que figuram no fim da lista dos índices de medição de saúde das democracias.
Com uma longa e heterogênea lista de participantes, a Casa Branca assumiu compromissos próprios, como financiamento para mídia independente, mas falhou em mostrar como o evento levará a ações concretas — ou como as promessas feitas por cada um dos países poderão ser fiscalizadas. Na véspera do encerramento da cúpula, o governo americano indicou que não esperava um documento comum entre os 110 participantes. Após o fim do evento, a subsecretária de segurança civil, democracia e direitos humanos do governo americano, Uzra Zeya, frisou que Washington vê o encontro apenas como um pontapé inicial. “Na próxima semana começamos o Ano de Ação, uma oportunidade de colocar as palavras desta semana em ação. E 2022 será um ano de trabalho com nossos parceiros”, disse.
Em pronunciamentos gravados e transmitidos ao longo de dois dias, líderes defenderam pilares democráticos de maneira genérica. O presidente Jair Bolsonaro disse ter compromisso com a democracia e afirmou que seu governo adotou “o mais ambicioso e abrangente plano anticorrupção da história”.
Questionada em entrevista a jornalistas, sobre a participação do Brasil, Uzra Zeya disse que os EUA “continuam incentivando o governo brasileiro a promover a inclusão social de todas as suas ricas e diversas culturas, incluindo afro-brasileiros, povos indígenas e outros grupos da diáspora”. Ela não comentou a lista de compromissos enviados por Brasília a Washington por ocasião da cúpula.
Biden também não demonstrou como irá se posicionar para resolver um dos principais dilemas domésticos, quando o assunto é retrocesso democrático: o avanço de leis estaduais que limitam o direito a voto. Em discurso, ele prometeu “continuar lutando” para aprovar peças legislativas defendidas pelos democratas como garantias de direito a voto nos EUA. “Devíamos tornar mais fácil para as pessoas votarem, não mais difícil. Isso continuará sendo uma prioridade para meu governo até que o façamos. E a ação não é uma opção”, disse. Até agora, no entanto, seus movimentos na Casa Branca não foram suficientes para convencer congressistas moderados do seu próprio partido.
“A empreitada ilustra dois problemas recorrentes na política externa dos EUA: a incapacidade de definir prioridades claras e cumpri-las e a tendência de proclamar metas elevadas e, em seguida, deixar de cumprir”, escreveu Stephen M. Walt, professor de relações internacionais da Universidade de Harvard, em um artigo na revista Foreign Policy. “Se a cúpula e suas sucessoras não produzirem resultados reais, ela reforçará a percepção de que a própria democracia não é mais adequada para seu propósito”, analisa Walt, para quem a estratégia do encontro não é eficiente nem sob o ponto de vista de se contrapor à China.