D. Cláudio Hummes influenciou escolha do nome de papa Francisco

04/07/2022 17:48
Por José Maria Mayrink* / Estadão

Arcebispo emérito de São Paulo e prefeito emérito da Congregação para o Clero, mas ainda eleitor no conclave, aos 78 anos de idade, o cardeal d. Cláudio Hummes se projetou ao mundo na eleição de Francisco em 13 de março de 2013, quando apareceu ao lado do papa no balcão da Basílica de São Pedro, no Vaticano.

Por que essa deferência?, estranhava-se em Roma e no Brasil, se d. Cláudio estava aposentado, embora ativo em discretas funções pastorais. A explicação veio nos dias seguintes.

Amigo de muitos anos do cardeal argentino Mário Jorge Bergoglio, d. Cláudio estava sentado a seu lado, na Capela Sistina, quando ele foi eleito. “Não se esqueça dos pobres”, disse, ao abraçar o até então arcebispo de Buenos Aires.

O conselho influenciou Bergoglio na escolha do nome que adotaria como sucessor de São Pedro. Surpresa, a multidão aplaudiu quando o cardeal Jean Louis Tauran anunciou, do alto da sacada, que o primeiro papa latino-americano se chamaria Francisco. Frade franciscano, d. Cláudio entendeu a homenagem ao poverello de Assis.

“A escolha teve a influência de São Francisco. Esse Francisco nasceu nas periferia de Buenos Aires. É ali que esse papa se dedica a esses pobres, defende-os, dá a sua vida por eles. Temos agora um jesuíta que é Francisco. É realmente um programa de vida. A escolha do nome fala mais que muitos documentos. O bonito é que a opinião pública entendeu a mensagem”, disse d. Cláudio ao Estadão, em Roma, logo após o conclave. Especulava-se que o cardeal voltasse ao Vaticano para assumir um posto importante na Cúria Romana, mas isso não ocorreu.

Nascido em 8 de agosto de 1934, o gaúcho Auri Afonso Cláudio, seu nome de batismo, era filho de colonos alemães, Pedro Adão Hummes e Maria Frank Hummes. Fez o curso fundamental no Seminário Seráfico de Taquari e o de Filosofia em Garibaldi, ambas no Rio Grande do Sul. Em 1955, mudou-se para Divinópolis, em Minas, onde estudou Teologia e foi ordenado padre em 1968. Concluiu o doutorado em Roma em 1968 e, seis anos depois, especializou-se em Ecumenismo, em Genebra, na Suíça.

De volta ao Brasil, frei Cláudio Hummes foi professor em Garibaldi, Viamão e Porto Alegre. De 1972 a 1975, foi superior provincial dos Franciscanos no Rio Grande do Sul. Ocupou também os cargos de assessor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para o Ecumenismo e de presidente da União das Conferências Latino-americanas dos Franciscanos. Nomeado bispo auxiliar de Santo André, no ABC Paulista, em 23 de março de 1975, foi ordenado dois meses depois pelo cardeal Aloísio Lorscheider, também franciscano.

Regime militar

Em dezembro, d. Cláudio tornou-se bispo diocesano, em 29 de dezembro de 1975, como sucessor de d. Jorge Marcos de Oliveira, um nome de projeção internacional, por sua ação em defesa dos pobres e dos trabalhadores. D. Cláudio seguiu o mesmo caminho e logo ficou conhecido por sua posição avançada e corajosa, durante o regime militar. Na greve dos metalúrgicos do ABC, abriu a matriz de São Bernardo do Campo para reuniões e assembleias dos grevistas, quando a polícia fechou a sede do sindicato.

D. Cláudio ficou amigo do então sindicalista Luiz Inácio da Silva, conhecido como Lula, apelido que mais tarde incluiria no nome. Quando o presidente do sindicato e futuro presidente da República foi preso, o bispo defendeu e ajudou a arrecadar fundos para a sobrevivência das famílias dos trabalhadores em greve. O delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) que pediu a prisão de Lula e de outros dirigentes sindicais sugeriu também o indiciamento de d. Cláudio.

Cabe anotar a participação ativa do bispo de Santo André, d. Cláudio Hummes, o qual vem realizando palestras bem como sermões e missa que levam os menos desavisados (sic) a se manterem em greve, num verdadeiro incitamento, se contrapondo às leis, ao Tribunal e ao próprio governo, merecendo a devida atenção do Ministério Público quanto ao seu possível indiciamento pelas atitudes e atos idênticos aos dos indiciados neste inquérito”, argumentava o delegado Edsel Magnolli, titular da Divisão de Ordem Social do Dops de São Paulo.

Foi com essa imagem de subversivo que d. Cláudio foi promovido a arcebispo de Fortaleza em julho de 1996. Quase dois depois, em 15 de abril de 1998, o papa João Paulo II transferiu-o para São Paulo, como sucessor de d. Paulo Evaristo Arns, que havia renunciado por motivo de idade. Em 21 de fevereiro de 2001, foi nomeado cardeal. Ao assumir a Arquidiocese de São Paulo, adotou um novo estilo pastoral, mas não mudou a linha de seu antecessor na defesa dos direitos humanos.

“Defender esses direitos é fundamental para a Igreja, porque ela considera que a dignidade e a liberdade do homem são valores invioláveis”, afirmou o arcebispo, 19 meses após ter assumido a Arquidiocese de São Paulo. Apresentando um perfil mais moderado do que o de 20 anos, quando era bispo de Santo André, no fundo ele não havia mudado. “A solidariedade para com os pobres e para com os trabalhadores faz parte da minha vida”, garantiu. D. Cláudio voltou sua atenção para o centro da cidade e para a periferia, regiões em que, conforme constatou, era mais difícil a evangelização.

O diálogo marcou sua orientação. Com a convicção de que o importante era manter o equilíbrio entre o espiritual e o social,o arcebispo procurou conciliar movimentos leigos de tendências diferentes, como os carismáticos de padre Marcelo Rossi, então no auge, como as Comunidades Eclesiais de Base (Cebs).

“Há espaço para todas as correntes”, afirmou. Fiel à doutrina moral da Igreja, defendeu, como havia feito em Fortaleza, a posição tradicional do Vaticano na condenação do aborto e o uso de anticoncepcionais, entre outros. Pregou essas questões sem moralismo, mas em nome da defesa da vida e da dignidade humana.

D. Cláudio encarou o crescimento do número de evangélicos neopentecostais como um desafio para a Igreja, que perdia fiéis batizados. “Sabemos que a grande maioria dos católicos não participa da vida da Igreja. Foram batizados, alguns fizeram a primeira comunhão e depois começaram a viver cada vez mais afastados”, disse o arcebispo, advertindo que a Igreja tem a responsabilidade de evangelizar todos aqueles que batiza. Ou de reevangelizar, como afirmou em assembleia geral dos bispos, em Aparecida.

Cúria Romana

Em 31 de outubro de 2006, o papa Bento XVI nomeou d. Cláudio Hummes prefeito da Congregação para o Clero, na Cúria Romana. Ao despedir-se de São Paulo declarou em entrevista ao Estadão que a Igreja poderia alterar a lei do celibato, permitindo o casamento de padres a ordenação sacerdotal de homens casados. O Vaticano não gostou e mandou-o esclarecer a entrevista, para dizer que se referia a uma possibilidade, já que o celibato é uma questão legal, não um dogma de fé, cuja alteração não estava sendo analisada em Roma. D. Cláudio assinou uma nota esclarecimento e não tocou mais no assunto.

Prefeito por quase quatro anos, o cardeal deixou o cargo por motivo de limite de idade, após ter completado 75 anos. Bento XVI aceitou a renúncia em 7 de outubro de 2010 e ele voltou para São Paulo. Era emérito ou aposentado, continuou na ativa. Foi vigário geral da Arquidiocese, nomeado por seu sucessor, d. Odilo Scherer, e presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia, na CNBB. A boa saúde lhe permitiu viajar sucessivas vezes para a região, a fim de ajudar os bispos locais na pastoral e em ações de desenvolvimento social coordenadas pela Igreja.

“Sou apenas amigo do papa, e basta”, disse d. Cláudio em entrevista, quando uma jornalista perguntou se a proximidade com Francisco não lhe dava influência especial no Vaticano. A amizade vinha dos contatos frequentes de quando ele era arcebispo de São Paulo e Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires. Os dois trabalham juntos na 5ª Conferência de Aparecida, em 2007, da qual o Argentino foi relator. D. Cláudio era então prefeito da Congregação para o Clero.

*Autor deste perfil de d. Cláudio Hummes, José Maria Mayrink, repórter especial do Estadão, morreu aos 82 anos em dezembro de 2020.

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