De quarteirão Renânia à Rua Washington Luiz, os avanços na mobilidade negligenciaram o Rio Quitandinha
Ainda interditada, desde o dia 15 de fevereiro, mais de um mês depois da tragédia, a Rua Washington Luiz, um dos mais importantes corredores urbanos de acesso ao Centro Histórico, segue fechada para a passagem da maior parte dos veículos de passeio. Nas últimas semanas, a via, que desmoronou em alguns trechos, sobre o rio Quitandinha, e que foi descalça pela força da enxurrada, teve a passagem de ônibus, motos e táxis liberada. A sua ausência na malha de trânsito da cidade, no entanto, tem causado um impacto enorme na mobilidade urbana, com congestionamentos nas vias que, antes, eram vias alternativas ao tráfego.
A destruição causada pela chuva foi capaz de evidenciar o quanto o processo de adaptação para se alinhar com os avanços no transporte foi diretamente responsável pela drástica redução do leito do Rio Quitandinha. Em um registro da margem destruída, em que a pista desabou sobre o rio, é possível ver as contenções originais da pista sendo sobrepostas para alargar a via, que avançava sobre o rio. “Ao longo dos anos, a bacia hidrográfica do rio Quitandinha foi a que mais sofreu alterações nos valores de sinuosidade, comprimento e largura. Além do maior índice de edificações ao longo do rio, 44,2%. Naquele ponto onde foi feita a foto, é possível ver os muros de contenção originais, além do muro original na outra margem, onde funcionava a Fábrica de Tecidos São Pedro de Alcântara. Essas imagem é uma evidência do estreitamento do rio naquele ponto”, destaca o pesquisador Manoel do Couto Fernandes, que é professor adjunto do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e vice-coordenador do GEOCART (Laboratório de Cartografia do Departamento de Geografia da UFRJ).
Em 2019, o pesquisador, que atua na área de Geociências, com ênfase em Cartografia, Geoecologia e Geoprocessamento, e orienta alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado, publicou o estudo “The Rivers, The City And The Map As Object Of Landscape Dynamics Analysis” (Os Rios, a Cidade e o Mapa como Objeto de Análise da Dinâmica da Paisagem), que teve como objeto de estudo os rios da cidade de Petrópolis, o Piabanha, o Palatino e o Quitandinha. O levantamento, estabeleceu uma comparação dos registros históricos e a realidade atual, as mudanças ocorridas nos três principais rios que cortam a área de gênese da cidade, estabelecendo uma comparação com o Mapa ou Planta Koeler (1846), criado pelo major Júlio Frederico Koeler, responsável pelo planejamento de Petrópolis.
O levantamento mostra que originalmente a planta de criação da cidade previa o respeito ao formato original dos rios, que no ponto da atual rua Washington Luiz contava com uma ilha e uma curva bastante sinuosa. “Quando se sobrepõe o Planta Koeler com o mapa atual de Petrópolis é possível observar naquele ponto uma ilha de 161,96m². Essa ilha foi suprimida com o tempo. Houve um aterramento e desvio do curso do rio, que teve seu leito estreitado naquele ponto. Havia outra ilha onde hoje é a Rua Coronel Veiga, onde também teve supressão do rio, que foi canalizado. Essa alteração teve impacto direto sobre a velocidade com que a água percorre o rio nessas ruas”, explica o pesquisador que destaca ainda que a modificação do sistema fluvial do município, com a supressão de ilhas e alteração da morfologia original dos canais, tem relação direta com os eventos de inundações na cidade. “A cartografia histórica mostra que houve supressão da drenagem, desde a fundação do município, 1843”, afirma Manoel.
De Renânia a Washington Luiz
Em um artigo do historiador Joaquim Eloy Duarte dos Santos, no site do Instituto Histórico de Petrópolis – IHP, o professor lembra da chegada do bonde à cidade, em 1895. “Trazido pelo grande empresário Franklin Sampaio, a pedido do Presidente da Câmara Municipal Dr. Hermogênio Silva. O melhoramento no transporte urbano ainda não rodava sobre trilhos e a tração era animal. No ano de 1910 a Companhia Brasileira de Energia Elétrica assinou contrato com a Câmara Municipal para a exploração do bonde elétrico, substituindo a tração animal e implementando os trilhos”.
A modificação, teve impacto sobre as ruas da cidade, onde o meio de transporte, como lembra o historiador, eram as charretes de tração animal. E a consequência foi a necessidade de adaptação não apenas da rede elétrica, mas também da dimensão das vias públicas. “Para o serviço e a segurança dos passageiros, foram reforçadas algumas pontes e, até, construídas novas de ferro, uma na Rua Souza Franco e outra diante do Palácio de Cristal”.
Em outro trecho, Heloy lembra de mais modificações urbanas para a novidade que ocorrerão na atual Rua Washington Luiz. “No governo do prefeito Oscar Weinschenck, no ano de 1922, as extensão das linhas foi ampliada para os lados da Renânia, com bondes circulando pela Rua 14 de Julho (hoje Washington Luiz) até as Duas Pontes, subindo para o Valparaíso pela Rua Gonçalves Dias e estabelecendo um circular atingindo a Visconde de Itaboraí e retornando pela Rua Rocha Cardoso e 14 de Julho ao centro da cidade. O transporte por bondes era chamado tecnicamente pela Prefeitura de ‘viação férrea urbana’”.
A partir do ano de 1936, o bonde começou a dar lugar aos carros e aos coletivos urbanos. As ruas do Centro Histórico, como a Washington Luiz continuaram a sofrer modificações para se adequar ao novo modelo de mobilidade, em detrimento dos rios.