Delegados de Petrópolis foram vítimas de Maurício Demétrio, preso por chefiar quadrilha de cobrança de propina na Rua Teresa, diz MP

28/12/2021 19:32
Por Vinícius Ferreira

A Tribuna de Petrópolis teve acesso ao documento da fase II da Operação Carta de Corso, do Ministério Público do Rio de Janeiro – MPRJ e do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado – GAECO, que destrinchou conversas e arquivos presentes em três dos 12 aparelhos smartphones apreendidos no apartamento do delegado Maurício Demétrio, em 30 de junho deste ano. Nas 64 páginas, a investigação detalha como o então delegado da Polícia Civil utilizou a influência e “acesso ilegal” a dados sigilosos para obstruir a justiça e forjar operações para “caluniar” outros membros da própria Polícia Civil que investigavam as práticas criminosas do grupo chefiado por ele.

Segundo o MPRJ, entre as vítimas da quadrilha de Demétrio, estava não apenas o delegado Marcelo Machado, preso durante a Operação Raposa no Galinheiro – uma ação forjada por Maurício Demétrio em janeiro deste ano, mas também delegados de Petrópolis que eram testemunhas em investigações sobre o grupo criminoso. Entre os delegados que foram alvos, seja na campanha de difamação promovida por ele em veículos de imprensa no início do ano, seja no acesso ilegal de dados sigilosos, como contas bancárias (o que também incluiu familiares dos investigados), estão a delegada Juliana Ziehe, que na época era delegada titular da 105ª DP (Retiro) e o pai, o delegado Alexandre Ziehe.

Valores apreendidos pelo MPRJ e GAECO na casa de Demétrio. (Foto: Reprodução MPRJ)

Quadrilha usava banco de dados da Polícia Civil no esquema ilegal

O relatório do MPRJ e do GAECO aponta que, com ajuda do policial civil Adriano Santiago da Rosa, do Setor de Inteligência da Polícia Civil do Rio de Janeiro SIP/RJ, Demétrio “fazia rotineiro uso ilegal dos bancos de dados restritos a que tinha acesso”. Entre os dados acessados estão também os referentes à investigação do Caso Marielle Franco. Com a ajuda de Rosa, o delegado (que à época chefiava a Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial – DRCPIM) investigou dados de autoridades e seus familiares, como o desembargador Luiz Zveiter e a esposa. Em um pendrive encontrado pela GAECO no apartamento de Maurício havia um documento “Dossiê Família Zveiter” contendo uma narrativa sobre crimes supostamente praticados pela família, assim como informações sobre movimentação bancária.

Delegada de Petrópolis instaurou investigação contra membros da organização criminosa

Com os delegados de Petrópolis, o modus operandi do grupo foi ainda pior. Em relação à delegada de Polícia Juliana Menescal Ziehe “a situação é ainda mais grave”, destaca o MPRJ, que informa ainda que Juliana é responsável pela instauração da investigação (na 105ªDP, Retiro) contra a organização criminosa de Maurício, naquele momento sobre Rodrigo Ramalho Diniz e Alex Sandro Gonçalves Simonete, membros do grupo. 

“Por expressa determinação de Maurício”, Adriano Rosa teve acesso ilegal a dados pessoais da delegada de Petrópolis e de vários integrantes da família dela. Entre eles, do pai de Juliana, o também delegado e testemunha no caso Alexandre Ziehe, além de parentes menores de idade. Em um dos celulares de Maurício havia fotos de Juliana e de seu marido, além de informações como o endereço e fotografias da residência da delegada. “Tais acessos ilegais aos bancos de dados restritos se revelaram indispensáveis para a construção de complexas tramas voltadas para prejudicar terceiros de maneira criminosa”, afirma o documento do MPRJ.

Demétrio tentou forjar flagrante de tráfico de drogas contra um dos delegados de Petrópolis

Já transferido para a Decon, Delegacia do Consumidor, Maurício fez contato com um agente da Polícia Federal e noticiou que “um delegado da polícia que morava no município de Petrópolis e já havia atuado na corregedoria da corporação estava traficando entorpecentes em seu veículo, nos deslocamentos entre a capital e a região serrana”. Tal relato causou estranheza, diz o MPRJ, já que a suspeita poderia ter sido comunicada diretamente à própria corregedoria da Polícia Civil, de maneira formal e não informal e com interlocutor sem atribuição de agir. Maurício ainda teria informado ao policial federal que tinha “informação privilegiada sobre a parte do veículo em que a droga estaria escondida, assim como o local e horário exatos para que a abordagem fosse frutífera e resultasse em flagrante”.

O MPRJ destaca que, “quando foi deflagrada a operação (Raposa no Galinheiro) forjada contra o delegado Marcelo Machado, Maurício Demétrio promoveu ampla divulgação da ação, aproveitando-se da cobertura da mídia para caluniar, além de testemunhas e da delegada Juliana Ziehe, os delegados de polícia Alexandre Ziehe, Robson da Costa Ferreira da Silva e Fábio da Costa Ferreira, todos ex-integrantes da corregedoria da Polícia Civil e moradores de Petrópolis”. Os três delegados foram alvos das investigações em acesso de bancos de dados restritos feitos por Adriano Rosa, a mando de Maurício.

 Para o MPRJ fica evidente que Maurício Demétrio estava atuando para forjar mais uma prisão contra delegados que tinham atuado contra a organização, e tentava, agora, incriminá-los agora pelo crime de tráfico de entorpecentes. Ainda de acordo com o MPRJ, a trama não deu certo, porque Demétrio informou ao agente da PF que ele próprio e a esposa havia contraído Covid-19 e assim parou de repassar as informações ao agente.

De acordo com o MPRJ, Demétrio ostentava bens de luxo que não condizem com sua renda como delegado. (Foto: Reprodução MPRJ)

Todos que se mostravam empecilhos para a ação da quadrilha viravam alvo de Demétrio 

Maurício, segundo a denúncia no MPRJ e da GAECO, “preparou flagrante” que culminou na “prisão ilegal” de um dos delegados que atuava na investigação contra ele e a quadrilha, na Corregedoria da Polícia Civil, além de “vilipendiar a imagem e coagir moralmente outros delegados e testemunhas”. Ele teria orquestrado a operação “fake”, para ter ampla cobertura jornalística, para caluniar e desacreditar aqueles que colocavam empecilho na atuação da quadrilha. 

Na operação (Raposa no Galinheiro) que tentou incriminar Machado, Demétrio ainda produziu release para a imprensa onde mencionou nomes de delegados e testemunhas como integrantes da “organização criminosa” de Machado “apesar de não terem qualquer relação com a referida operação para apreensão das camisas com estampas dos ‘Minions’”. Ainda de acordo com o MPRJ foi o próprio delegado quem “elaborou o texto ainda na véspera da operação”, onde constava que o delegado Machado estava de posse do material falsificado, um flagrante que só ocorreria no dia seguinte.

O texto ainda conclui que “os policiais criminosos organizados agiam de forma diametralmente oposta ao que os deveres de probidade e eficiência impõem à Polícia Civil. Ao invés de reprimir a prática de delitos, os praticavam, exigindo dos chamados ‘pirateiros’ da famosa Rua Teresa em Petrópolis o pagamento de vantagens ilegais para permitir que continuassem comercializando ‘roupas piratas’ livremente.”

Como a quadrilha atuava

Segundo o MPRJ e o GAECO, as propinas eram pagas semanalmente. Um valor de R$ 250 por lojista. Ele contava ainda com a atuação de três lojistas, estes responsáveis por recolher o dinheiro para os policiais. Dentro da estrutura da polícia havia ainda a participação de três policiais e um perito criminal, que faziam a apreensão de materiais em represália aos lojistas e empresários que se negavam a pagar propina, além da emissão de laudo falso para atender aos interesses de operações forjadas. As incursões foram praticadas com abuso de poder e violação do dever inerente aos cargos de delegado e policial civil. 

“Ao incriminar falsamente o delegado Marcelo Machado e seu sócio Alfredo e caluniar outros delegados e testemunhas, cujos nomes nem mesmo constavam no inquérito policial e na medida cautelar que levaram à deflagração da operação, Maurício Demétrio agiu para retirar a credibilidade das testemunhas e a fiabilidade dos relatos já prestados, impelir mácula falsa à atuação dos investigadores e coagir moralmente estes indivíduos, embaraçando as investigações em curso. O documento ainda destaca “que as pesquisas ilegais nos bancos de dados restritos foram etapa relevante da operação forjada que culminou com gravíssimas calúnias difundidas em diversos veículos de imprensa, causadoras de danos morais incalculáveis contra os delegados de Polícia Juliana Menescal da Silva Ziehe, Alexandre Ziehe, Marcelo Machado, Robson da Costa Ferreira da Silva e Fábio da Costa Ferreira”.

Alexandre Ziehe acredita que investigação revele mais nomes envolvidos no esquema

Procurado pela reportagem da Tribuna de Petrópolis, o delegado da Polícia Civil Alexandre Ziehe comentou as revelações feitas pela nova etapa da Operação Corso. “Espero que essa investigação vá à fundo, que ela chegue aos nomes que possam ter dado suporte ao delegado denunciado. Que a denúncia dos comerciantes da Rua Tereza possa encorajar outras vítimas a confiarem no Ministério Público para expurgar os maus policiais. Servir à população petropolitana foi a parte mais importante de toda minha carreira policial. E agradeço ao MPRJ e ao Judiciário, que foram firmes na resposta, não permitindo injustiças aos delegados Fábio Ferreira, Robson da Costa e Juliana Menescal que tem suas carreiras marcadas pela honra e brilhantismo.  Espero, para o bem da população, que essa investigação se desdobre, chegue a fundo e ao final ajude no engrandecimento da instituição policial mais transparente e menos sujeita aos desmandos de grupos criminosos que se travestem de funcionários públicos”, disse Ziehe.

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