Demissões no governo seguem ‘padrão Bolsonaro’, com fritura e sem planejamento

03/04/2021 13:10
Por André Shalders. Colaboraram Vera Rosa e Idiana Tomazelli / Estadão

Com a mexida no primeiro escalão promovida nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro atinge a marca de 23 mudanças na equipe em dois anos e três meses de governo. Foram 17 demissões de ministros e seis remanejamentos. Agora, ex-auxiliares já enxergam um “padrão” nas dispensas: Bolsonaro é avesso a reformas ministeriais planejadas, não admite ser contrariado de jeito nenhum e tem por hábito deixar um auxiliar “fritando” até a pressão nas redes sociais se tornar insustentável.

Em 27 meses de governo, Bolsonaro já fez mais trocas do que seus antecessores Dilma Rousseff (PT), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em igual período de seus respectivos mandatos. No mesmo intervalo, por exemplo, Dilma substituiu 22 ministros; Lula fez 13 mudanças e Fernando Henrique, 8.

O caso mais simbólico do estilo Bolsonaro de demitir foi protagonizado pelo ex-titular da Defesa Fernando Azevedo e Silva. O general foi removido do ministério em uma reunião de menos de cinco minutos com o presidente, na tarde de segunda-feira, no Palácio do Planalto.

“Preciso do seu cargo”, disse Bolsonaro a Azevedo. Horas depois, ele também ordenou a troca dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, consumada no dia seguinte. Em transmissão ao vivo pelas redes sociais, anteontem, o presidente afirmou que não falaria sobre a razão da troca na cúpula das Forças Armadas. “Só nós sabemos o motivo. E morreu aqui”, comentou ele, negando que esteja atrás de alinhamento político.

Naquela segunda-feira, o presidente não só dispensou Azevedo como fez outras cinco mudanças. Expoente da ala ideológica, o chanceler Ernesto Araújo foi substituído pelo embaixador Carlos Aberto Franco França após passar meses sob forte tiroteio, na esteira da desastrada condução da política externa, que dificultou a compra de vacinas em países como China, Índia e Estados Unidos.

Bolsonaro também contemplou o Centrão e pôs a deputada Flávia Arruda (PL-DF) na Secretaria de Governo. Mas só fez isso após receber um ultimato do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que falou até na possibilidade de o Congresso aplicar “remédios amargos”, alguns deles “fatais”.

Nessa dança das cadeiras, o general Luiz Eduardo Ramos, que ocupava a pasta, foi para a Casa Civil. Entrou na vaga do general Braga Netto, transferido para a Defesa. O presidente demitiu o chefe da Advocacia-Geral da União, José Levi, porque ele se recusou a assinar uma ação que o Executivo apresentou no Supremo Tribunal Federal contra toques de recolher determinados pelos governos da Bahia, do Distrito Federal e do Rio Grande do Sul. Apesar das ponderações de que a ação não seria aceita, Bolsonaro não apenas não ouviu o ministro da AGU como depois o mandou embora.

Dona de temperamento explosivo, Dilma também não aceitava opiniões contrárias. No primeiro ano de governo, em 2011, ela fez uma faxina que derrubou vários ministros de partidos do Centrão, indicados por Lula. A então presidente queria se contrapor ao padrinho político. “Não se faz ranking de demissões. Isso não é Roma antiga”, protestou ela, irritada com notícias sobre as dispensas em série.

Lula, por sua vez, não gostava de demitir amigos e só o fazia depois de muita pressão. Foi assim com o então ministro da Fazenda, Antônio Palocci – que se envolveu no escândalo da quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, revelado pelo Estadão – e com o então titular das Cidades, Olívio Dutra, ambos do PT. Em 2005, na hora de dispensar Olívio, seu amigo de três décadas, para entregar o cargo ao PP em troca de apoio na Câmara, Lula até chorou.

Quando implicava, porém, deixava o ministro em “banho maria”, sem conversa, até se irritar de vez. Em 2004, por exemplo, ele demitiu por telefone o então ministro da Educação, Cristovam Buarque, que estava em férias em Portugal. “Quero ministro para apresentar resultado, não para ficar com tese acadêmica”, esbravejou.

No governo Bolsonaro, o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi desautorizado em público. Em outubro, o presidente mandou que Pazuello cancelasse a compra de 46 milhões de doses da Coronavac, chamada por ele de “vacina chinesa do Doria”, numa referência ao governador João Doria, seu adversário político.

Para o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, demitido da Secretaria de Governo após se indispor com o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), o o hábito do presidente de chamar a atenção de auxiliares diante dos holofotes faz parte de um “problema comportamental”. “Se você quer substituir um ministro, é só conversar. Não precisa ficar um mês em ‘show’ público”, disse Santos Cruz. “É preciso honestidade, e não esse sistema aí em que entra sempre uma milícia digital interferindo, no qual tudo vira escândalo”.

Ex-juiz da Lava Jato, Sérgio Moro pediu para sair do comando da Justiça em abril do ano passado, após meses levando “bola nas costas”, como definiram seus aliados, e acusou Bolsonaro de interferir na Polícia Federal. Luiz Henrique Mandetta, por sua vez, preferiu ser demitido da Saúde.

Mandetta disse ter percebido que sua saída era iminente quando veio a público uma conversa entre o ministro da Secretaria-Geral Onyx Lorenzoni, então na Cidadania, e o deputado Osmar Terra (MDB-RS), na qual os dois falavam sobre a demissão dele.

Naquele dia, Mandetta disse ter convidado Bolsonaro para acompanhar uma de suas entrevistas coletivas sobre covid-19. O presidente recusou, alegando que iria a uma padaria comer um sonho. Mandetta descobriu depois que era a mesma padaria, ao lado de sua casa, onde ele havia estado dias antes. “Aí eu pensei: será que esses caras estão me monitorando?”, contou. Dias depois, Mandetta caiu. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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