Democratização do acesso ao cinema

11/11/2019 08:00

Hoje, antes de tudo, peço licença para usar a palavra “experiência” em defesa dos argumentos. Tenho apelado para os brancos cabelos, com o propósito de fazer valer o tempo vivido como fruto de aprendizado. São mais de 30 anos no exercício do magistério a serviço da Literatura e da Língua Portuguesa. E neste ofício de tentar expressar o que penso por meio da linguagem escrita, estou há mais tempo; comecei nos jornaizinhos de grupo jovem. Quero usar esse tempo para respaldar o que tenho a dizer: 

– Não se constrói uma obra de arte com forma e fórmulas moldando o pensamento. É preciso ter, no mínimo, aspirações à plena liberdade para fazer brotar o novo. Conformar-se com a mediocridade é um processo de atrofiamento da inteligência. Desafiar-se é permitir o crescimento interior. 

Quando vi o tema da redação do Enem 2019, vazado pelas redes sociais, saltou uma preocupação com os estudantes que foram para a prova com uma estrutura de redação pré-moldada, voltada para os temas sociais e com as propostas de intervenção já preestabelecidas.  Gosto dos temas não cogitados midiaticamente, pois exigem criatividade e levam o participante a fugir do senso comum.

 “A Democratização do acesso ao cinema no Brasil” apareceu, neste ano, como um tema inesperado. Isso desestabilizou alguns candidatos. Tal fato, com certeza, deu-se entre aqueles que se apegam a modelos previsíveis. Carregam consigo uma estrutura de texto dissertativo-argumentativo e tentam adaptá-lo a diversas temáticas de cunho social e político.

 O estudante deve preparar-se para escrever sobre qualquer assunto. Com isso, deve libertar-se das formatações, dos clichês. A previsibilidade argumentativa tira a originalidade que consolida o caráter da autoria, que tem a leitura como um elemento imprescindível. O hábito de ler e escrever constantemente contribui para a concretização do estilo individual. O senso crítico não cresce pelo achismo, mas pela dialética inerente à leitura reflexiva, que também favorece o enriquecimento vocabular.

O aluno que estava atento aos noticiários não foi surpreendido, pois as discussões sobre a Lei Rouanet, sobre os editais da Agência Nacional do Cinema (Ancine), os cortes de verbas no segmento das produções audiovisuais; em síntese, foram constantes os debates em torno dos incentivos culturais, além do questionamento da liberdade de expressão.

Quando li o citado tema, veio à lembrança a música “Não tem Tradução” de Noel Rosa, na qual há o seguinte verso: “O cinema falado é o grande culpado da transformação”. Na década de 30, o cinema exercia uma forte influência sobre “essa gente que tem a mania da exibição”. 

A cinematografia ainda exerce influência na formação da opinião pública, por isso não fica apenas no âmbito do entretenimento, há uma vertente educacional que amplia a consciência social. E aqui, convém esclarecer que os filmes pulam da “telona” para a “telinha”, até mesmo por uma questão de sobrevivência da indústria audiovisual. 

Outro assunto que merece destaque consiste na concentração das salas de exibições nos centros urbanos. O país tem 5.570 municípios, mas nem todos possuem um espaço reservado para a exibição de filmes. Há uma estimativa de que, no Brasil, haja 2.200 salas com esse propósito. Portanto, a dita “democratização do acesso ao cinema” não atingiu a totalidade da população, está restrita a uma parcela dotada de recursos financeiros, concentrada no perímetro urbano. O povo ainda se encontra distante do romântico “escurinho do cinema”.

P.S.: Venho externar aqui o sentimento de pesar da Academia Petropolitana de Educação e da Academia Petropolitana de Letras pelo falecimento do querido professor Jeronymo Ferreira Alves Neto.

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