Denilson Cardoso de Araújo

27/10/2018 08:50

Na Itália de fins dos anos 1970, os extremos se polarizavam furiosamente. Aldo Moro, ao centro do espectro político, tentava conciliar um pacto de governabilidade, suspendendo posições extremadas e vaidades políticas, para bem da nação. Sem diálogo, pregou no deserto, e acabou sequestrado e executado pelas Brigadas Vermelhas. Fellini, em “Ensaio de Orquestra”, fez uma parábola de alerta baseada nesse quadro. Com roteiro dele e Brunello Rondi, e música de Nino Rota, talvez nos auxilie na compreensão do Brasil de hoje. Porque demonstra as consequências tanto do despotismo mal combatido quanto da democracia que se anarquiza, levando à demanda por novo autoritarismo.

Como um documentário, o filme capta os músicos chegando, afinando instrumentos, suas idiossincrasias e aspirações. O sindicato radical confronta o Maestro autocrata. Que se queixa da inviabilidade da orquestra indisciplinada. Sem diálogo, seu comando revolta a maioria dos músicos. Vira um "nós contra eles". Radicais promovem uma revolução. O Maestro é substituído por um metrônomo. Cada um faz o que quer, como quer e os músicos desnorteados produzem música sem encanto ou harmonia. O "paraíso" anárquico – também um autoritarismo, não esqueçamos – termina em desastre. Vinda de fora, uma bola de demolição explode na parede. Atônitos diante da quase destruição que se permitiram, os músicos retornam às cadeiras, de forma submissa. O Maestro volta, mais exigente e déspota e a amedrontada orquestra o acata. Seu autoritarismo cresce ao ponto de suas falas e posturas reproduzirem ninguém menos que Hitler. Fellini avisa. Egoísmo político, incompetência governamental, radicalismo insano, falta de diálogo, podem dar à sociedade saudades do autoritarismo. Que será não só acatado, mas requisitado como a mão firme que salva do caos.

Depois da ditadura militar, um “Maestro”, vivemos democracia de altos e baixos, que tentava tocar afinado, buscando manter a caminhada pela trilha estreita e escorregadia do centro político. Mas desde que o primeiro governo Lula inaugurou o “nós-contra-eles” como método de ação política, temos visto a perda do equilíbrio, do diálogo, e a morte do centro. Vivemos a falta geral de preocupação solidária, o desinteresse pelo país, a corrupção, o poder pelo poder. O PT se entregou a Lula a ponto de ele se achar no direito de pôr um metrônomo (Dilma Roussef) à frente da orquestra. Perdeu-se de vez o compasso e a afinação. O que já era desacerto virou incompetência, o que era confusão virou revolta. Veio o caos, a anomia. Em algum momento, conforme a parábola de Fellini, algo ia ocorrer. Primeiro a bola de demolição derrubaria paredes: 2013 e o impeachment. Depois, um "Maestro" qualquer ia ser chamado: 2018.

Para que os excessos do "Maestro" sejam contidos, é necessário que paixões desenfreadas sejam recolhidas às suas jaulas. Fizeram já bastante estrago. Estraçalharam famílias e amizades. Muita coisa trincou no coração das pessoas, muita porcelana da vida espatifou. Não foi uma eleição para delicados. Aumentou o consumo de ansiolíticos e a desarmonia na orquestra. Para que não haja rendição a autocratas, agora é hora de restabelecer o diálogo e a humildade. Quem ganhou a eleição, aprenda que não pode tudo. Quem perdeu, que faça logo a indispensável autocrítica. Para que por todos os lados, estejamos alertas, vigilantes e prontos ao diálogo para que a democracia resista, se afine, refine, e haja paz.

denilsoncdearaujo.blogspot.com


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