Denilson Cardoso de Araújo
Na Itália de fins dos anos 1970, os extremos se polarizavam furiosamente. Aldo Moro, ao centro do espectro político, tentava conciliar um pacto de governabilidade, suspendendo posições extremadas e vaidades políticas, para bem da nação. Sem diálogo, pregou no deserto, e acabou sequestrado e executado pelas Brigadas Vermelhas. Fellini, em “Ensaio de Orquestra”, fez uma parábola de alerta baseada nesse quadro. Com roteiro dele e Brunello Rondi, e música de Nino Rota, talvez nos auxilie na compreensão do Brasil de hoje. Porque demonstra as consequências tanto do despotismo mal combatido quanto da democracia que se anarquiza, levando à demanda por novo autoritarismo.
Como um documentário, o filme capta os músicos chegando, afinando instrumentos, suas idiossincrasias e aspirações. O sindicato radical confronta o Maestro autocrata. Que se queixa da inviabilidade da orquestra indisciplinada. Sem diálogo, seu comando revolta a maioria dos músicos. Vira um "nós contra eles". Radicais promovem uma revolução. O Maestro é substituído por um metrônomo. Cada um faz o que quer, como quer e os músicos desnorteados produzem música sem encanto ou harmonia. O "paraíso" anárquico – também um autoritarismo, não esqueçamos – termina em desastre. Vinda de fora, uma bola de demolição explode na parede. Atônitos diante da quase destruição que se permitiram, os músicos retornam às cadeiras, de forma submissa. O Maestro volta, mais exigente e déspota e a amedrontada orquestra o acata. Seu autoritarismo cresce ao ponto de suas falas e posturas reproduzirem ninguém menos que Hitler. Fellini avisa. Egoísmo político, incompetência governamental, radicalismo insano, falta de diálogo, podem dar à sociedade saudades do autoritarismo. Que será não só acatado, mas requisitado como a mão firme que salva do caos.
Depois da ditadura militar, um “Maestro”, vivemos democracia de altos e baixos, que tentava tocar afinado, buscando manter a caminhada pela trilha estreita e escorregadia do centro político. Mas desde que o primeiro governo Lula inaugurou o “nós-contra-eles” como método de ação política, temos visto a perda do equilíbrio, do diálogo, e a morte do centro. Vivemos a falta geral de preocupação solidária, o desinteresse pelo país, a corrupção, o poder pelo poder. O PT se entregou a Lula a ponto de ele se achar no direito de pôr um metrônomo (Dilma Roussef) à frente da orquestra. Perdeu-se de vez o compasso e a afinação. O que já era desacerto virou incompetência, o que era confusão virou revolta. Veio o caos, a anomia. Em algum momento, conforme a parábola de Fellini, algo ia ocorrer. Primeiro a bola de demolição derrubaria paredes: 2013 e o impeachment. Depois, um "Maestro" qualquer ia ser chamado: 2018.
Para que os excessos do "Maestro" sejam contidos, é necessário que paixões desenfreadas sejam recolhidas às suas jaulas. Fizeram já bastante estrago. Estraçalharam famílias e amizades. Muita coisa trincou no coração das pessoas, muita porcelana da vida espatifou. Não foi uma eleição para delicados. Aumentou o consumo de ansiolíticos e a desarmonia na orquestra. Para que não haja rendição a autocratas, agora é hora de restabelecer o diálogo e a humildade. Quem ganhou a eleição, aprenda que não pode tudo. Quem perdeu, que faça logo a indispensável autocrítica. Para que por todos os lados, estejamos alertas, vigilantes e prontos ao diálogo para que a democracia resista, se afine, refine, e haja paz.
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