Descaracterização de Petrópolis

Vim morar em Petrópolis, pela primeira vez, em ´39 e, por forças das circunstâncias, retornei para o Rio em fins de ´40. Voltei em ´51 e aqui finquei raízes até ´70 e, posteriormente, em 2002, retornei em definitivo.

Da primeira vez, ainda criança, fiquei deslumbrado com a cidade – o casario majestoso, o ruço misterioso, as vitórias circulando pela cidade – na imaginação infantil, sentia-me em Londres, cenário de inúmeros filmes de mistério. Aquela imagem continuou em minha memória fantasiosa de criança. 

Da segunda vez, feliz por rever tudo aquilo que preservara na lembrança, apesar de algumas decepções, ainda encontrei a cidade encantada dos meus sonhos. Muitas das lojas lá estavam, mas ao retornar em definitivo, pouca coisa ainda encontrei – como disse um amigo, a cidade está na época da “latinha” – lá tinha isso, lá tinha aquilo – sumiram por força das contingências do mercado.

Infelizmente, hoje, apesar de muitos “esbravejarem” em defesa da cultura – memória, que é a mais importante das culturas, foi jogada no lixo – ninguém a preserva ! O que passou, passou – não tem mais valor: que se tem que olhar para o presente e o futuro, ignorando que o presente rapidamente se torna passado.

Assim, a bela Petrópolis perdeu seu trem “Maria Fumaça”, sua linda estação, mesmo que alguns idealistas queiram refazê-lo. Perdeu as tradicionais flores, conhecida como “Cidade das Hortênsias”. Perdeu muita coisa característica da cidade – as “torradas de Petrópolis” eram famosas – e agora ameaçam também sumir com suas tradicionais vitórias!

Ao presenciar a passeata de sábado, dia 21, tive a mesma reação de Romero Leandro, conforme publicado na Tribuna de domingo. Nossa cidade é Imperial e não temos que nos espelhar em Paquetá (onde está fervilhando do assunto) por roubar todo seu encanto bucólico, pois lá também passei parte de minha infância e que só tinha um veículo – a ambulância. Nossa cidade tem de manter uma tradição e a retirada das vitórias vai modernizá-la e descaracterizá-la. Pensei no momento da passeata – “ao final, cada um vai para sua casa saborear um bom pedaço de carne bovina”. A massa popular vai para onde a levam, sem pensar ou analisar – é mais fácil seguir a onda – mas tais defensores deveriam visitar um matadouro para aquilatar o que é maltratar um animal.

Petrópolis ainda tem tudo para ser um ponto turístico – nossa maior fonte de renda – mas não sabem explorar, como no sul os descendentes de alemães, poloneses e italianos, preservam suas origens. O que o povo entende de tradição, de memória, de história? Uma cidade que, apesar de ter sido colonizada por alemães, poucos de seus habitantes sabem ao menos pronunciar seus sobrenomes, como raros são os que tem conhecimento de que na língua germânica, a letra V tem som de F; que chamam a avenida de “Coeler” em vez de Queler” e outros classificam o quarteirão de “Ingelein” (que Les Partisans aponta para o nome grafado errado numa placa). É uma lástima, porque isto sim, é cultura – preservar e respeitar a memória de seus antepassados.

Cavalos sempre serviram de montaria e transporte coletivo através dos séculos, além de ajudarem na lavoura com o arado. Se seus proprietários os tratam mal, não será o recolhimento às suas cocheiras que deixarão de sofrer – e aí quem vai fiscalizar? 

É repetir a velha piada  – não será tirando o sofá da sala que se impedirá um adultério.  jrobertogullino@gmail.com