‘Descobri uma liberdade artística que nem imaginava’, diz Helena Ranaldi fora da TV

14/set 09:14
Por Dirceu Alves Jr / Estadão

Faz 10 anos que a atriz Helena Ranaldi não trabalha em uma novela. A última foi Em Família, escrita por Manoel Carlos para a Rede Globo em 2014. Na sequência, suas participações no vídeo ficaram limitadas às séries As Canalhas, O Mecanismo, Carcereiros e O Doutrinador, mas tantas coisas boas e desafiadoras aconteceram que Helena, aos 58 anos, confessa nem sentir falta do veículo que a popularizou em tramas como Laços de Família (2000) e Mulheres Apaixonadas (2003). “Fui extremamente feliz na televisão e tive a sorte de ganhar ótimas personagens”, reconhece. “Só que para topar um projeto tão longo, que me exigiria um ano de dedicação, teria que ser algo capaz de realmente me tirar do conforto.”

A principal mudança – que redesenhou sua trajetória – foi voltar a São Paulo depois de 25 anos radicada no Rio de Janeiro. Em 2015, a atriz paulistana veio para a cidade ensaiar uma peça, A Fantástica Casa de Bonecas, e emendou um compromisso no outro, sempre nos palcos, que a levou a se fixar de vez dois anos depois. “Quando vi estava produzindo teatro, comecei a namorar o Daniel Alvim (ator e diretor), meu filho (o ator Pedro Waddington, de 26 anos) veio morar aqui e tudo foi acontecendo”, conta. “Se me mudei para o Rio por causa do trabalho, o trabalho me trouxe de volta e descobri uma liberdade artística que nem imaginava, seja criando projetos ou recebendo propostas.”

É como convidada que Helena aparece no espetáculo Por Trás das Flores, drama escrito por Samir Yazbek e dirigido por Marcelo Lazzaratto, em cartaz no Itaú Cultural até o dia 22, com entrada franca. “Foi ótimo ter me transformado em produtora porque, quando sou chamada, já chego ao teatro de outra forma”, comenta. “Tenho o entendimento na prática de que nem tudo que o que um artista deseja é possível de ser atendido.”

No palco, Helena contracena com a atriz Martha Meola em um enredo que trata de ancestralidade, comportamento e depressão. Sua personagem é a filha de uma libanesa (Martha) que imigrou para o Brasil logo depois do casamento e, agora, ela volta à terra dos pais para investigar as origens dos seus antepassados. Em uma profunda crise existencial, a personagem busca compreender o quanto daquele passado reflete em seu problemático presente.

“Desde que conheci o texto, ainda na pandemia, me emociono com a história”, diz a intérprete, que participou de uma leitura virtual da peça, ainda com o título provisório de Que os Mortos Enterrem seus Mortos, junto da atriz Maria Fernanda Cândido, em 2021.

A dramaturgia de Yazbek propõe um acerto de contas entre essas duas mulheres que se desenrola na imaginação da filha. A mãe morreu com a idade que a filha tem hoje e sucumbiu diante de conflitos semelhantes aos que ela enfrenta. “A peça é um resgate de vida através desse encontro que pode transformar a vida da minha personagem e fazê-la desviar de um destino semelhante ao da mãe”, explica Helena. “A depressão deve ser debatida porque é uma doença que afeta tanta gente e, às vezes, pode estar bem próxima e não enxergamos.”

Experimentando no cinema

Em sua guinada pessoal e profissional, Helena, além de privilegiar o teatro, assumiu um papel que jamais havia ambicionado: o de produtora cinematográfica. Em 2019, ela e Alvim, já casados, produziram a peça Cordel do Amor Sem Fim, comédia de costumes de Cláudia Barral, ambientada em uma cidade na fronteira da Bahia com Minas Gerais. Lá vivem três irmãs (interpretadas por Helena, Patricia Gasppar e Márcia de Oliveira) e, no dia em que a caçula ficaria noiva, um forasteiro desperta novos sentimentos na moça.

A boa aceitação da montagem entusiasmou Helena e Alvim a adaptá-la para o cinema. “Ganhamos um edital e fomos em frente com um orçamento que parecia impossível de se realizar um filme, R$ 250 mil”, revela. “Fizemos tudo de forma independente e tanto eu quanto o Daniel não tínhamos qualquer experiência como produtores de cinema.”

Sob a direção de Alvim, Cordel do Amor Sem Fim foi rodado em 2022 em um sítio em Mairiporã, na região metropolitana de São Paulo, durante 21 dias. O elenco é o mesmo da peça, que inclui ainda os atores Luciano Gatti, Rogério Romera e Marcelo Marothy. Helena arregaçou as mangas para fazer milagre com a verba tão enxuta. Pediu emprestado aos amigos objetos para o cenário, trabalhou como continuísta e assistente de figurino, além de atuar, claro. Nos intervalos, faxinava até o set. “Foi muito cansativo e só se tornou possível porque reunimos uma equipe parceira, mas ficou legal, honesto, dá o maior orgulho de ter feito.”

Com o filme na lata, Helena e Alvim têm percorrido o circuito de festivais. O longa passou por mostras nos Estados Unidos, Argentina, Uruguai, Rondônia e Teresópolis. Do 28º Cine PE, realizado no Recife em junho, voltou com os prêmios de melhor atriz (dividido entre Márcia, Helena e Patricia) e direção de arte (André Cortez). Como produtora independente, Helena tem consciência de que será difícil chegar às salas comerciais. A meta é, diante da repercussão nos festivais, negociar a exibição em plataformas de streaming.

Enquanto Cordel do Amor Sem Fim caminha pelo mundo, a cabeça de Helena já planeja uma nova história. Ela tem em mãos um texto para quatro personagens – uma avó, um pai, uma mãe e um filho -, inicialmente pensado para o teatro, mas que, com a experiência adquirida, deve virar um filme. “Quero trabalhar com o Pedro, meu filho, e acho que esse pode ser o nosso projeto”, antecipa.

Últimas