Desembargadores sob suspeita de corrupção têm contracheque de R$ 140 mil líquido/mês em média

06/ago 11:41
Por Pepita Ortega e Fausto Macedo / Estadão

Os desembargadores Sebastião de Moraes Filho e João Ferreira Filho, afastados de suas funções no Tribunal de Justiça de Mato Grosso por suspeita de ligação com um esquema de venda de sentenças, receberam contracheques da Corte que, somados, chegam a R$ 1,66 milhão nos primeiros seis meses do ano – em valores líquidos, já descontado imposto na fonte.

A reportagem do Estadão pediu manifestação dos desembargadores, via assessoria do TJ de Mato Grosso. O espaço está aberto.

As informações sobre os subsídios dos desembargadores estão no Portal da Transparência do Tribunal.

Em média, cada um deles recebeu em torno de R$ 140 mil livres por mês, ou três vezes o teto do funcionalismo público, que é de R$ 44 mil brutos, segundo estabelece a régua do Supremo Tribunal Federal. No período apurado, de janeiro a junho, Ferreira Filho recebeu salários de R$ 840.920,93 limpos. Seu colega, R$ 823.280,33.

O ápice de Ferreira foi no mês de maio, quando seu holerite bateu em R$ 162.676,54 limpos. Em junho, a performance salarial do magistrado se repetiu – assim, nesses meses, o estouro do teto chegou a quatro vezes o limite do STF.

Em valores brutos, João Ferreira recebeu em maio R$ 186.175,21. Em junho também.

Para Sebastião, o pagamento mais encorpado ocorreu em janeiro e fevereiro, meses em que o Tribunal depositou em sua conta R$ 159.646,48 líquidos – ou R$ 186 mil brutos.

O contracheque dos magistrados de Mato Grosso, como de resto de todos os tribunais estaduais, é robustecido por ‘direitos eventuais’. ‘direitos pessoais’, ‘indenizações’, ‘auxílio-alimentação’, ‘gratificação por exercício cumulativo’, ‘auxílio-saúde’ e ‘outros’.

Em maio e em junho, João Ferreira foi contemplado com R$ 135.025,27 sob a rubrica ‘direitos eventuais’. A mesma quantia paga a Sebastião.

Os pagamentos – sempre em montante líquido – ao desembargador João Ferreira foram um pouco mais acanhados em janeiro (R$ 126.708,23), fevereiro (R$ 129.686,54), março (R$ 129.686,64) e abril (R$ 129.686,54).

A rotina dos contracheques mais bem remunerados foi retomada no segundo semestre do ano. Em julho, João Ferreira teve rendimento líquido de R$ 131.419,50.

Para Sebastião de Moraes Filho, março (R$ 126.657,55), abril (R$ 126.646,48), maio (R$ 126.646,48) e junho (124.036,86) foram os meses de rendimentos inferiores aos depositados em janeiro e em fevereiro.

O Imposto de Renda na fonte não atinge a totalidade dos subsídios dos juízes. Em janeiro, João Ferreira recebeu R$ 149.356,89 em montante bruto – o IR pegou R$ 9.452,28. Em junho, o magistrado teve contracheque de R$ 186.175,21 (brutos), o Leão mordeu R$ 10.026,36.

Em julho, o desembargador Sebastião de Moraes Filho teve subsídio líquido de R$ 128.389,44. Em cifras brutas, R$ 154.710,76 – o IR ficou com R$ 10.026,36.

Os subsídios dos magistrados têm suporte na Lei Orgânica da Magistratura, em regimentos internos dos tribunais e legislações específicas.

Cenário de graves faltas funcionais’

Sebastião de Moraes Filho e João Ferreira Filho foram afastados do TJ de Mato Grosso por ordem do ministro Luís Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça, na última quinta-feira, 1º. Os dois desembargadores estão sob suspeita de envolvimento com um esquema de venda de sentenças.

Os magistrados também são investigados por supostamente atuarem em casos patrocinados por um advogado – assassinado no ano passado – com o qual mantinham “amizade íntima”, recebendo presentes e propinas em vez de se declararem impedidos para julgarem os processos de interesse do causídico amigo.

Salomão ainda determinou a abertura de reclamações disciplinares sobre a conduta atribuída aos magistrados. O ministro quebrou o sigilo bancário e o fiscal dos desembargadores e de servidores da Corte matogrossense, referente aos últimos cinco anos.

O corregedor consultou o presidente do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, sobre os afastamentos, que foram determinados “considerando a premente necessidade de prevenir situações futuras em caso de permanência dos desembargadores na jurisdição, com condutas reiteradas”.

Ao determinar a investigação sobre os desembargadores, Salomão destacou indícios de que os magistrados mantinham “amizade íntima” com o advogado Roberto Zampieri, falecido.

A relação impediria os magistrados de atuarem em processos patrocinados por Zampieri. No entanto, segundo investigações preliminares, Sebastião e João Ferreira recebiam propinas e presentes para julgarem recursos de acordo com o advogado.

“As investigações acenam para um cenário de graves faltas funcionais e indícios de recebimento de vantagens indevidas”, indicou Salomão.

Os magistrados têm 15 dias, a contar da citação da decisão do corregedor, para apresentar defesa prévia à eventual abertura de Processo Administrativo Disciplinar.

O ministro ainda anotou que as apurações apontam para a “existência de um esquema organizado de venda de decisões judiciais, seja em processos formalmente patrocinados por Zampieri, seja em processos em que o advogado não atuou com instrumento constituído, mas apenas como uma espécie de lobista no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso”.

Roberto Zampieri foi assassinado em dezembro do ano passado, aos 59 anos, em frente ao seu escritório, em Cuiabá.

Segundo o Ministério Público de Mato Grosso, que investiga o caso, o crime pode ter relação com decisões da Justiça do Estado.

A Corregedoria Nacional de Justiça já havia determinado, em maio último, o compartilhamento de provas apreendidas pela Polícia Civil de Mato Grosso, especialmente o conteúdo extraído do celular do advogado.

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