Detecção de bombas, IA e apoio de 46 países: o ‘esquema de guerra’ na abertura da Olimpíada

26/jul 08:39
Por Marcos Antomil e Ricardo Magatti / Estadão

A Olimpíada de Paris-2024 será oficialmente aberta nesta sexta-feira com uma cerimônia sem precedentes às margens do Rio Sena, na primeira vez que o evento será realizado ao ar livre, fora de um estádio principal. Foi montado um forte esquema de segurança, com várias restrições de circulação na cidade, e organizada uma estrutura complexa para que tudo se encaixe.

Os organizadores prometem Jogos “icônicos”, tendo a Cidade Luz como pano de fundo. Os barcos levarão atletas pelo Sena em percurso de 6 quilômetros até abaixo da Torre Eiffel. Eles passarão pelos principais pontos turísticos da cidade: a Catedral de Notre Dame, o Louvre, o Museu D’Orsay e o Grand Palais em uma rota animada com luz, shows, música e esportes até terminar o percurso na Torre Eiffel e no Jardim do Trocadero.

Serão 205 delegações e 85 barcos desfilando durante duas horas e meia. Dez embarcações estão reservadas como reforço para o caso de alguma avaria, enquanto outras 15 vão trabalhar na organização do desfile, que deverá ser sincronizado com o ritmo do “show” que vai acontecer nas margens do rio, nas pontes e nos telhados de Paris.

Cerca de 326 mil espectadores – 104 mil em lugares pagos no cais inferior e 222 mil gratuitos no cais superior – deverão assistir à cerimônia de abertura no Sena, o evento mais importante dos Jogos. O desfile começará na Ponte Austerlitz, próximo ao Jardin des Plantes, às 14h30 (de Brasília).

Por tradição, o desfile é aberto pela delegação da Grécia, já o país europeu é berço dos Jogos na antiguidade e sede da primeira edição da Olimpíada na Era Moderna. O Brasil terá como porta-bandeiras na cerimônia o canoísta Isaquias Queiroz e a jogadora de rúgbi de sete Raquel Kochhann.

“Estamos prontos e estaremos prontos durante toda a competição”, disse o presidente francês Emmanuel Macron, segundo o qual escolher o Sena para a insólita cerimônia foi “uma loucura” no início. “Mas será a única cerimônia com artistas de calibre mundial, bailarinos e uma orquestra” que “transformarão Paris em um grande teatro ao ar livre”, acrescentou o político, sem dar mais detalhes. Horas antes do evento, ainda havia ingressos disponíveis. Os mais baratos partiam de 1.600 euros (cerca de R$ 9.680).

RESTRIÇÕES E BLOQUEIOS

Os principais aeroportos estarão fechados durante a cerimônia por razões de segurança e foram estabelecidos perímetros de segurança em torno dos locais, limitando estritamente a circulação de carros, incluindo táxis. As restrições no centro da cidade se somam à implantação, desde segunda-feira passada, de faixas específicas para uso olímpico, o que complica ainda mais o trânsito. Foram instaladas cerca de 40 mil barreiras em Paris.

Há controles em toda a capital francesa para o acesso às margens do Sena, um dos principais protagonistas dos Jogos e que receberá prova de águas abertas e também natação do triatlo. A zona protegida, às margens do rio, foi ativada quinta-feira da semana passada. Há o trabalho de busca e detecção de possíveis artefatos e explosivos nos barcos que desfilarão.

Foi instalada uma barreira náutica anti-intrusão, no leste de Paris, com sonares ao fundo. O Exército francês está mobilizando “meios excepcionais” para garantir a área de embarque dos 7 mil atletas que participarão da cerimônia de abertura dos Jogos.

Um batalhão de cerca de 800 militares especializados está mobilizado há cerca de 20 dias, numa área de quatro quilômetros de comprimento e dois quilômetros de largura, para uma operação de segurança de grande envergadura que culminará nesta sexta. Para o evento, o país europeu conta com 10 mil militares, 45 mil agentes de segurança e drones de vigilância.

Em vários pontos da cidade cartazes chamativos, flâmulas olímpicas e outros elementos dão cor à cidade e anunciam o megaevento. O que dita mesmo a proximidade da cerimônia são os bloqueios e acessos restritos ao entorno do Rio Sena, região bastante visitada por turistas.

BRASIL APOIA SEGURANÇA DA FRANÇA

A pedido do governo francês – que estendeu a solicitação a outros 45 países -, a Polícia Federal do Brasil enviou 14 agentes para ajudar as forças de segurança do país europeu no esquema de segurança dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Os policiais federais brasileiros chegaram em solo francês no dia 15 de julho e ficam até 8 de setembro.

Agentes de segurança da Embaixada brasileira em Paris vão compor o centro de cooperação internacional da Olimpíada, a pedido da organização dos Jogos, e não do governo francês, e também vão fazer a escolta da delegação brasileira.

NOVAS TECNOLOGIAS DÃO SUPORTE À ORGANIZAÇÃO DAS OLIMPÍADAS DE PARIS

Um sistema de câmeras de vigilância algorítmica, ativado por inteligência artificial, foi instalado nas ruas de Paris para detectar eventuais movimentos repentinos, objetos abandonados que possam indicar a presença de bombas e pessoas deitadas no chão, que possam estar escondidas ou preparando um ataque surpresa.

As câmeras estão conectadas a um centro de comando e à tecnologia de inteligência artificial que pode sinalizar infrações menores – quando alguém estaciona ilegalmente ou entra em um parque público após o expediente – bem como atividades potencialmente suspeitas, como alguém tentando acessar um prédio escolar.

ABERTURA NO DESPOLUÍDO RIO SENA

Para demonstrar que o rio tem condições de receber as provas e que água está limpa, a ministra do Esporte, Amélie Oudéa-Castéra, e a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, mergulharam no rio, que recebeu investimento de mais de 1 bilhão de euros para ser despoluído. O nível de coliformes fecais na água do rio que atravessa a capital francesa, com longo histórico de poluição, é medido diariamente.

“A água está muito, muito boa. Um pouco fria, mas não está ruim”, dissera a prefeita quando nadou em um dos mais famosos rios do mundo e que banha a capital francesa. Ela também disse que viveu “um sonho” ao mergulhar e afirmou ter feito um “testemunho do trabalho duro (da prefeitura)”.

O discurso do presidente do Comitê Organizador dos Jogos, Tony Estanguet, está alinhado ao da prefeita. “Todos os sinais estão favoráveis em relação ao Sena”, disse o ex-canoísta, primeiro atleta francês a conquistar três medalhas de ouro em três Jogos Olímpicos diferentes (Sydney-2000, Atenas-2004 e Londres-2012).

O banho no Sena está proibido desde 1923, em razão da poluição do rio, que, como tantos outros mundo afora, foi vítima do processo de urbanização desorganizada das cidades.

Paris pretende que, além de receber provas olímpicas, o Sena seja liberado, a partir do verão de 2025, para o mergulho dos cidadãos parisienses, o que seria um legado gigantesco para a cidade. A organização dos Jogos e o patrimônio deixado aos cidadãos têm sido tema de escrutínio global cada vez maior, uma vez que arcar com a estrutura complexa para a prática de diversos esportes, sem contar a segurança de atletas, exige investimentos vultosos e benefícios não garantidos à população. Sede dos Jogos de 1992, Barcelona é comumente citada como exemplo de legado, enquanto Atenas (2004) teria ajudado a empurrar a Grécia para uma gigantesca crise financeira.

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