DF: em 12 dias, Justiça autoriza 9 entidades a comprar vacinas sem doação ao SUS
Em apenas 12 dias, a Justiça Federal do Distrito Federal autorizou nove entidades privadas a importarem vacinas contra a covid-19. Sindicatos, associações e até uma refinaria ganharam o direito de comprar as doses dos imunizantes sem a necessidade de doá-las ao Sistema Único de Saúde (SUS), como prevê a lei. Outros quatro processos sobre o mesmo tema aguardam por uma decisão até esta segunda-feira, dia 5.
As liminares (decisões provisórias) foram concedidas pelo juiz substituto Rolando Valcir Spanholo, da 21ª Vara Federal do Distrito Federal, que defende a entrada da iniciativa privada na campanha de vacinação como um “complemento” ao governo federal. “Não podemos mais desperdiçar qualquer chance de salvar vidas e os pilares da economia (empregos, empresas, arrecadação de tributos, etc)”, anotou, em suas decisões.
A primeira liminar foi proferida no último dia 25 em favor de dois sindicatos e uma associação do Distrito Federal. Desde então, decisões semelhantes foram estendidas a outras empresas e entidades de São Paulo, Minas Gerais, Ribeirão Preto e Brasília, que apresentaram pedidos semelhantes e foram atendidas.
O caso mais recente garantiu à Refinaria Refit, antiga Manguinhos, no Rio de Janeiro, a importação de cerca de 6.600 vacinas para seus funcionários e familiares. A ação da empresa chegou à 21ª Vara Federal no último dia 26, um dia depois do juiz Spanholo conceder a primeira liminar sobre o tema, e teve liminar proferida na terça, 30.
As entidades recorrem à Justiça para garantir duas autorizações: a primeira é a permissão para importar as vacinas contra a covid-19 e aplicá-las em seus funcionários e familiares. O segundo pedido busca derrubar a exigência que prevê a doação destas doses ao SUS.
Na fila de espera, o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), a Associação Federação dos Oficiais de Justiça Estaduais do Brasil e o Centro de Ensino Superior e Desenvolvimento aguardam decisão em processos semelhantes. No último dia 26, um advogado apresentou ação popular para derrubar a exigência de repasse das doses ao sistema público.
A obrigação foi fixada em lei sancionada no mês passado pelo presidente Jair Bolsonaro. A legislação prevê que as vacinas adquiridas pela iniciativa privada devem ser integralmente repassadas ao SUS até o término da imunização dos grupos prioritários, o que segundo estimativas iniciais do Ministério da Saúde só deve ocorrer no final deste semestre. Somente depois dessa fase, as empresas podem manter 50% das doses compradas enquanto as demais devem ser doadas ao Plano Nacional de Imunização.
Para o juiz Rolando Valcir Spanholo, a exigência de doação ao SUS “desmotiva e inibe” a iniciativa privada de buscar vacinas no mercado. Segundo o magistrado, a barreira retira das empresas brasileiras a possibilidade de disputar os imunizantes com concorrentes externos. Spanholo diz que, por se tratarem de doses oferecidas à iniciativa privada e não aos governos, não é possível tratar a importação de vacinas por empresas como “furar a fila”. As farmacêuticas, no entanto, ainda não disponibilizam doses para a iniciativa privada.
“Notoriamente, por não estar presa aos mesmos entraves burocráticos que norteiam as ações da Administração Pública, em praticamente tudo que faz, a iniciativa privada consegue empregar um ritmo mais acelerado. O que pode ser fundamental no enfrentamento da concorrência mundial pela compra das vacinas excedentes, que possam complementar os quantitativos já contratados pelo Poder Público”, justificou.
Comprometimento do Plano de Vacinação
As liminares são alvo de questionamentos da Advocacia-Geral da União (AGU), que alerta para o risco de um efeito “multiplicador” da decisão se espalhar pelo País. Em recurso apresentado ao presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) a União avisa que, se mantidas, as autorizações para compra sem doação ao SUS podem comprometer o Plano Nacional de Vacinação.
“Subverter o critério de priorização indicado no PNO (Plano Nacional de Operacionalização contra a covid-19), permitindo que um determinado segmento da sociedade se imunize antes das pessoas que integram os grupos mais vulneráveis, representa um privilégio que desconsidera os principais valores que orientam o Sistema Único de Saúde, notadamente a equidade e a universalidade”, frisou a AGU.
O recurso da AGU foi endereçado ao desembargador Italo Fioravanti Sabo Mendes, que preside o TRF-1, e ainda aguarda decisão. No mês passado, o magistrado derrubou duas liminares do juiz Spanholo que, à época, discutiam apenas a autorização para importar vacinas pela iniciativa privada, incluindo imunizantes que ainda não tinham registro na Anvisa. A discussão sobre a doação ao SUS só entrou nos pedidos das empresas após a exigência ser fixada em lei, no dia 10 de março.
Na ocasião, Sabo Mendes afirmou as liminares tinham potencial risco de “grave lesão à ordem pública” ao interferir em funções da Anvisa, como autorização para importação de vacinas, e deveriam ser derrubadas.
A AGU defende a urgência da revisão das liminares e afirma que, caso a tendência não seja revertida com agilidade, será possível observar um “quantitativo desenfreado de decisões liminares autorizando um sem número de segmentos da sociedade civil a adquirirem diretamente vacinas para imunização de seus integrantes”. “O que certamente ocasionará um caos na política pública de vacinação organizada pelo ente federal”, afirmou.
Veja a lista de entidades privadas que obtiveram autorização para comprar vacinas sem doar ao SUS:
– Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (Sindalemg)
– Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp)
– Associação Brasiliense das Agências de Turismo Receptivo (Abare)
– Sindicato dos Trabalhadores em Sociedades Cooperativas do Estado de Minas Gerais (Sintracoop)
– Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado de Minas Gerais (Fetram)
– Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Ribeirão Preto e Região
– Oregon Administradora de Shopping Centers
– Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (Sindmédico/DF)
– Refinaria de petróleos de Manguinhos S/A