Diário de tempos terríveis

16/05/2020 00:02

Confesso. Faltam forças para uma crônica. Mas, para a história, reúno aqui uma espécie de notas para um diário desses tempos terríveis, tornados mais terríveis por quem deveria abrandar sofrimentos.

Dia 1. Dias difíceis ficam mais difíceis quando pessoas difíceis prometem falsas facilidades que dificilmente virão. O tombo do salto da ilusão é muito cruel frente à realidade. Aí está essa pessoa difícil, vendendo ilusões, querendo mandar, remandar, desmandar, abusar. Chefe autoritário. Jamais líder. Porque líder é quem diz à sua tropa que a batalha é mesmo penosa. Mas a anima nas trincheiras da luta, senta junto à beira do fogo, jamais vê vidas humanas como perdas inevitáveis. O líder lamenta cada vida perdida, conforta sobreviventes, afaga familiares. Sabe as prioridades. As prioridades do chefe são só se manter chefe. Mesquinho. Prioridade devia ser salvar vidas.

Dia 2. Tempos de celebração da burrice, louvação da ignorância, elogio do despreparo, glorificação da grosseria, destruição da história, desprezo pela ciência, atentado contra a ecologia, cuspe na cara das minorias. Ele espertamente botou na mesma frase de um lema as palavras Deus e Brasil. Bastou para ser passivamente aceito por hipnotizados. Que dizem que nunca um presidente foi tão combatido e fiscalizado. Inverdade, claro. Mas nunca um presidente precisou de ser tão explicado, defendido e “traduzido” a cada gesto ou palavra. Porque quase tudo que faz é agressivo, ofensivo, duvidoso.

Dia 3. Brasil nau sem rumo. Apertem os cintos, a presidência sumiu. Aposta na confusão como método de se manter à tona do naufrágio que seu governo vai se tornando, em meio à grave pandemia, que aprofunda a crise econômica. Quer sempre um inimigo, alguém para ofender, alguém para entrar no ringue. Não sabe cooperar, agregar, liderar, dividir, compartilhar.

Dia 4. Fritou Mandetta, porque o ex-ministro dizia que seguiria a ciência no combate à pandemia (não aderindo incondicionalmente aos discursos pró-cloroquina e anti-isolamento social). Mas, acima de tudo, Mandetta foi demitido porque seu bom trabalho causou ciúmes presidenciais. Então, no lugar do popular ex-ministro, um médico sem carisma que, tão logo tomou pé da situação gravíssima da pandemia, se recusou também a endossar os discursos presidenciais. Agora Teich é fritado pelo Presidente que ficou sabendo por repórteres da inclusão de novas atividades no rol de essenciais. As mesmas redes bolsonaristas que tacharam Mandetta de traidor, apedrejam Teich.

Dia 5. No meio do caminho, o Moro. De herói contra a corrupção – que Bolsonaro dizia querer combater – virou também ” traidor comunista”, porque não se curvou às vontades presidenciais de querer usar a PF para proteger os filhos. Mas, para os seus, Bolsonaro, mesmo se curvando ao Centrão, é “Mito”, infalível papa de um estranha igreja. Até se arrotar, será aplaudido.

Dia 6. Seria desanimador, se já não fosse desesperador… Teich fora. Em plena pandemia que se agrava, Bolsonaro apostando no caos. Contrariando a ciência. Não quer um Ministro da Saúde. Quer um capacho. (Será que Teich também é um “traidor comunista”?). Aos apoiadores, cabe refletir. Quando aquilo que se apoia começa a virar evidente insanidade, quando vidas se perdem, talvez não te queiram mais como apoiador, e sim como cúmplice. Imploro às mentes ainda com um cado de lucidez: parem de defender o indefensável. Que mortes não venham a pesar na sua consciência.

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