Do aterro sanitário à seleção, boxeadora sonha em participar dos Jogos Olímpicos

20/03/2021 08:00
Por Alessandro Lucchetti, especial para a AE / Estadão

“É preciso jogar mais o boxe, usar o espaço do ringue, caprichar no movimento das pernas.” Esses são alguns dos ensinamentos de Beatriz Ferreira, campeã mundial (categoria até 60kg) que aprendeu com o tempo a conter a impetuosidade. A paraense Francielle Santos, fã da talentosa baiana, se diz bastante calma em cima do ringue. “Não tenho um estilo muito agressivo”, diz a jovem de 18 anos, que é reserva na seleção brasileira olímpica, na categoria até 51kg.

Francielle se incorporou em janeiro à seleção. Ela mora no bairro de Santo Amaro, na zona sul da capital paulista, numa casa alugada pela Confederação Brasileira de Boxe, com outras sete pugilistas. A equipe treina no Clube Municipal Joerg Bruder, perto do Largo 13 de Maio. A lutadora nutre sonhos ambiciosos, mas não tem grande pressa de realizá-los. “Quero participar de uma Olimpíada. Acho que tenho chances de ir a Tóquio. Se for como reserva, acho que já seria uma grande conquista. Sou nova ainda e tenho muito a aprender. Só de estar aqui, já é um feito muito grande”.

Não se trata de um discurso pré-fabricado. A caminhada de Francielle é mesmo impressionante. Até o final do ano passado, a atleta trabalhava num aterro sanitário, em Marituba, na região metropolitana de Belém. Pesava chorume, carregava carretas que seguiam para a Bahia, cuidava da papelada. “Era super de boa. Não era um trabalho que me sugava. No inverno (de dezembro a abril no Pará) fica mais puxado, porque chove muito e a água se mistura ao chorume, deixando mais pesado. Mas sou muito grata por esse emprego. Comecei como jovem aprendiz e fui indo”.

Foi o boxe que conduziu Francielle ao trabalho. Ela e sua irmã se deslocavam diariamente à academia Dago Fight, que ficava a quarenta minutos de caminhada da casa da família. “Íamos a pé, porque não tínhamos dinheiro para a condução”, diz a pugilista, que é a caçula de quatro irmãos.

Depois de tentar a natação e o balé, sem ter morrido de amores por nenhuma dessas atividades físicas, Francielle se embrenhou no mundo do boxe respondendo a um desafio, mais para provar à irmã que podia.

A Dago Fight foi abraçada por um projeto social do aterro sanitário de uma empresa chamada Guamá, que envolvia oportunidades de trabalho e fornecimento de material esportivo. Antes desse apoio, os atletas tinham que se revezar para poder calçar as luvas.

Graças a esse empurrão, a atleta passou a trabalhar como jovem aprendiz, na área de tratamento de resíduos. Depois que a família se mudou para outro bairro, Francielle foi treinar em outra academia, a Ozzy Boxe, bem mais perto de sua casa. O nome da academia não é uma homenagem a Ozzy Osbourne – o treinador lá é Ozimar Barroso.

Não demorou para o talento de Francielle despontar. Com o tempo, ela recebeu ajuda do Instituto Solví, braço social da Guamá, para poder se deslocar a fim de participar de competições estaduais e fora do Pará.

Os resultados foram aparecendo: logo em sua primeira participação no Campeonato Brasileiro da categoria juvenil, conquistou o bronze. No ano seguinte, abiscoitou o ouro, e levou o bronze em dezembro do ano passado, já na categoria elite (a principal).

Filho de Marcos Macedo, um dos treinadores que fizeram a fama da academia do Centro Olímpico no boxe, ao lado de Messias Gomes, Leonardo Macedo, um dos técnicos da seleção brasileira, explica o contexto da convocação de Francielle. “A Francielle faz parte de um projeto de renovação. Estamos tentando achar novos valores. Ela teve destaque na categoria juvenil e fez boa campanha no Brasileiro. Tem um potencial físico razoável, um repertório técnico bom. Achamos interessante trazê-la para a seleção para desenvolver o boxe dela.”

Francielle sentiu o baque provocado pelo distanciamento em relação à família. “No começo eu chorava todos os dias, mas agora estou mais adaptada”, diz a boxeadora, que tem personalidade extrovertida e agora vive sorrindo, segundo Leonardo.

“Sou a mais nova da seleção. Muitas só entraram com 23, 24 anos. Todo mundo fala que eu tive sorte, e eu me sinto mesmo muito feliz com essa oportunidade. Sei que tenho muito pela frente e que só depende de mim”.

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