28/jan 08:00
Por Ataualpa A. P. Filho

– Qual a matéria orgânica usada na criação do brasileiro?

Às vezes, fico assim sem entender a reação do nosso povo diante de fatos que mereciam um posicionamento mais contundente. A nossa resiliência parece ser maior do que a de outros povos. O nosso “jeitinho” geralmente funciona como uma “saída pela tangente”.

Também “sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor”, mas acho que nos superamos no quesito tolerância. Considero isso positivo, porém ela não pode ser confundida com comodismo, subserviência. Sei que “nem tudo pode ser levado a ferro e a fogo”. Mas “paciência tem limite”. “De quem muito se abaixa, o fundo aparece”. O ponto de equilíbrio precisa ser encontrado. “Nem tanto ao mar, nem tanto a terra.” Contudo, é preciso que se diga que “boi deitado não é vaca”.  “Ser pacífico” difere de “ser passivo”. A proatividade se faz necessária para não se viver só “correndo atrás”.

Uma sociedade se estrutura por meio de normas convencionalmente preestabelecidas com o propósito de manter uma convivência harmoniosa pela instituição de direitos e deveres. Há deveres do cidadão para com o Estado e do Estado em relação aos cidadãos. É nesse ponto que vejo algumas contradições que precisam ser sanadas. O grau de rigidez do Estado na cobrança de tributos nem sempre é igual à prestação de serviço para atender às necessidades da população.

Quando um país se rotula de republicano deve colocar o bem comum acima dos interesses pessoais de quem o preside. Por isso que o primeiro artigo da nossa Constituição determina que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos diretamente”, conforme as determinações constitucionais.

A incompetência do Estado é visível em vários setores, principalmente no que se refere à segurança, à saúde, à educação, à mobilidade urbana. E aqui vale relembrar o conceito de “República” que está vinculado à “coisa pública” (res – coisa/ pública). Se há a intenção de instituir os princípios da democracia, os interesses do povo devem ser colocados em primeiro plano.

– Os três poderes estão na praça?…

O desejo de escrever este texto surgiu quando vi a foto de uma senhora de 1,65m de altura, 70 anos, pacientemente passando um café, com a casa invadida pela água da chuva.  O cachorro sobre um dos móveis também assistia a tudo calmamente. Um olhava para o outro serenamente…

Ao ver aquela senhora sentada em um sofá com a roupa encharcada, com as pernas dentro d’água, várias indagações surgiram. No silêncio, disse a mim: “se eu fosse o gestor público iria pedir perdão a ela”.

Aquela senhora protestou pacificamente sem fazer alarde, sem levantar nenhuma bandeira, sem seguir nenhuma orientação ideológica partidária, sem proferir discursos panfletários, sem teorias doutrinárias. Mas expôs a incompetência do Estado diante da função republicana que ele deveria exercer.

Coloquei-me no lugar dela e falei com os meus botões: “eu não teria essa paciência, essa serenidade. Estaria em pânico diante de tantas perdas e com um forte sentimento de revolta aflorado”.

– E você, como reagiria diante de tal situação?

Quem mora em Petrópolis já tem o coração calejado diante de tantas tragédias provocadas pelas chuvas. As nuvens escuras nos assustam, já nos deixam apreensivos.

Depois que o trágico deixa de ocupar espaço na mídia, as manifestações assistencialistas de cunho político também cessam. O convívio com a dor, com a perda de entes queridos têm uma carga de angústia e sofrimento que nem o tempo destila. A resignação diante da irreversibilidade do trágico requer uma resiliência profunda para fugir do desespero que leva à depressão e, às vezes, à loucura. “Desesperar jamais”…

Há momentos em que as lágrimas já não caem. O soluço fica travado pelo sentimento de impotência. Vencer a desesperança é um desafio. A força da solidariedade é luz no fim do túnel. Porém atravessá-lo de mãos dadas alimenta a certeza de que veremos o Sol nascer em manhãs de paz.

Pimenta não pode ser refresco nos olhos de ninguém. As tragédias provocadas pelos fenômenos naturais têm sido mais frequentes por causa das agressões ao meio ambiente. As ações antrópicas estão nas raízes dos problemas socioambientais. Não podemos cruzar os braços. A omissão é fator agravante.

As ações solidárias, as campanhas para doações de cestas básicas e agasalhos ajudam bastante. Aliviam, momentaneamente, as dores. Contudo, precisamos de ações estruturais para que as tragédias não sejam tão recorrentes.

Obrigado, Dona Norma, por evidenciar a precariedade da gestão pública do nosso País com o seu silêncio.

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