Dona Santinha

19/03/2016 13:00

Não sou muito favorável a quem escreve sua própria biografia. É natural e até compreensível que as qualidades sejam realçadas e os defeitos escondidos. Pensando assim, ao invés de uma autobiografia, resolvi escrever um livro de memórias sobre os acontecimentos mais importantes em que estive envolvido, e sobre projetos que consegui realizar. Mais importante do que alimentar uma natural vaidade, foi procurar exercitar a memória, para que ela não se perdesse com o passar do tempo, deixando no papel o registro dos fatos. Como tive a felicidade de conviver com a literatura e as artes em geral, desde a infância, não só absorvi como procurei exercitar um pouco de tudo, ou seja: poesia e prosa, teatro, música e pintura. Mas não é sobre as artes que desejo falar. Minha intenção é procurar passar para o leitor a emoção que senti ao relembrar algumas passagens e pessoas marcantes que, de uma forma ou de outra, interferiram no meu destino. O gosto pela escrita, devo ao meu saudoso pai, e o gosto pela leitura, devo ao tio José e à madrinha Emilia que sempre me presentearam com ótimos livros. 

Porém, quem mais interferiu no meu destino foi Maria Romero, minha avó paterna. Ela, desde a infância e adolescência, por sua extrema pureza e bondade, foi apelidada como Santinha. Poucos sabiam que Maria era seu verdadeiro nome. Em 1936, ano em que nasci, a técnica da cesariana ainda não estava, de todo, desenvolvida e, por problemas físicos de minha mãe, eu não teria como nascer. O médico, obstetra, que foi chamado para realizar o parto, perguntou ao meu pai quem ele desejaria que fosse salva: a esposa, ou a criança, já que salvar os dois seria missão impossível. Ao ouvir esse prognóstico, Santinha acendeu uma vela, fez prece e promessa. Ao conseguir me salvar e salvar minha mãe, o médico reconheceu que ali, naquele parto, havia ocorrido um verdadeiro milagre. Quando eu estava para completar um ano de idade, tive uma forte retenção de urina. O médico que nos atendeu prognosticou que, se eu não conseguisse urinar dentro de 24 horas, faleceria. Minutos antes de completar o prazo estabelecido, Santinha fez prece e promessa e eu consegui encher um pinico com minha urina. Quando eu estava com sete anos de idade, fui internado num hospital, com urgência, para extirpar o apêndice que estava para supurar. Na véspera da operação, Santinha fez prece e promessa. Os médicos resolveram fazer nova bateria de exames com radiografias e radioscopia e o resultado foi surpreendente: não havia sinal de inflamação em meu apêndice. Recebi alta e voltei para casa. A partir dali eu eliminei de meu particular vocabulário a palavra “coincidência”.

Hoje, próximo de completar oitenta anos, acredito que minha querida vovó Santinha continua a me proteger de onde está.Bastariam, para mim, esses três milagres, para justificar a necessidade e o prazer que sinto em escrever um livro sobre minhas memórias.

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