É a Segurança, estupido!

23/03/2022 18:28
Por Antonio Pastori

Muitos devem se lembrar do memorável slogan do economista e marqueteiro James Carville – É a economia, estúpido! -, um dos responsáveis pela vitória de Bill Clinton contra George Bush em 1982. A frase resumia com precisão as prioridades dos eleitores americanos na hora de escolher em quem votar: custo de vida, preço da gasolina, emprego e, principalmente, sensação de segurança e bem-estar. No caso de Petrópolis, o título do artigo indica qual deveriam ser as prioridades dos eleitores petropolitanos nas próximas eleições: obras de segurança contra desastres naturais e artificiais, causados pela descuidada intervenção humana no meio ambiente.

Infelizmente Petrópolis ganhou outra vez destaque no noticiário nacional por conta de mais uma tragédia hídrica imprevisível, mas que poderia ter sido mitigada se certas limitações fossem impostas às ocupações irregulares e realizadas obras de contenção, drenagem e limpeza de rios.

É verdade que nunca choveu tanto como nesse dois últimos meses. Na qualidade de cidadão petropolitano desde 1953, lembro-me muito bem das fatalidades decorrentes dos grandes volumes de chuva ocorridas em 1966 (80mm); 1979 (87mm); 1988 (171mm); 2001 (51mm); 2011 (73mm) e agora em 2022 com mais de 500mm, recorde histórico. Esse ciclo, que se repetia entre 20 e 23 anos, mas está se reduzindo à metade e, mantida esta tendência, pode vir a ocorrer a cada três ou quatro anos. Oremos para que não mais aconteça!

Passada a fase das medidas emergenciais de socorro às vítimas, instalação em abrigos, organização das equipes de apoio e resgate, remoção de toneladas de entulhos, limpeza das ruas, desobstrução de vias, interdição de imóveis, destinação de milhões para obras emergenciais, contabilização dos prejuízos materiais e enterro das vítimas, vem a segunda fase: a busca dos culpados.

Os enlutados, as redes sociais, os vitimados de forma geral, os comerciantes terrivelmente prejudicados e os opositores de plantão, já devem ter sua lista pronta. Seguramente deve encabeçar a lista, o alcaide (atual e anteriores) seguido pelos políticos (deputados e vereadores), moradores das encostas, a topografia, o clima, o Governo Federal e, por que não, São Pedro?

Começando pelos políticos, o cidadão-contribuinte-eleitor (copyright Helio Fernandes) esquece-se que são eles que carimbam as verbas para obras de contenção e prevenção de enchentes, desastres naturais e aqueles causados pela intervenção inadequada do homem no ambiente. Entretanto poucos conseguem acompanhar a elaboração do orçamento municipal, peça de dificílima compreensão para leigos e analfabetos políticos. Aliás, o dramaturgo alemão Bertolt Brecht, ao se referir ao analfabeto político, afirmava que quem não gosta de política será governado por quem gosta. E, complemento eu, que muito espertamente faz disso uma carreira de vida.

É fato que a situação topográfica (e a Lei da Gravidade) tem culpa, pois faz com que toda água da chuva seja direcionada para os vales em que se assenta a Cidade. A geomorfologia da região indica a existência de solos fragilmente assentados em cima de rochas e cobertos de vegetação que se descolam por conta da saturação em caso de chuvas prolongadas, provocando incontroláveis avalanches de lama, pedra, pau e terra. O bom senso recomendaria a não ocupação de encostas, mas uma casa a menos no alto do morro, é menos um eleitor; é menos um consumidor de água, luz e gás; é menos um cliente do mercadinho e do bar da esquina.

Serão culpados os pobres moradores desse locais? O fato é que boa parte foram induzidos à ocupação irregular, em construções muitas vezes precárias que desafiam a gravidade. A falta de uma política habitacional consistente fez com que eles buscassem e construíssem moradias mais próximas aos polos geradores de trabalho. E assim as moradias foram sendo erguidas de forma irregular, mas solidária, através do mutirão dos amigos e vizinhos e com a permissão tácita das “otoridades” que sempre fecham os olhos para esse alpinismo habitacional onde os moradores acreditam que tem como garantia de segurança a mesma arrogância ingênua dos construtores do Titanic de que o navio era insubmergível. Deu no que deu.

Poucos sabem que o fatídico Morro da Oficina é uma área federal e que tem esse nome porque ali funcionavam as antigas oficinas da Leopoldina Railway Co. (depois RFFSA), onde se fazia a manutenção e reparos das locomotivas que subiam e desciam a Serra da Estrela quando a Cidade se ligava a Minas e ao Rio de Janeiro desde 1883. Em 1964 os trilhos foram criminosamente erradicados em nome do rodoviarismo em voga. As oficinas foram demolidas e o chão salgado para que o trem não mais retornasse ali, nos obrigando a ser extremamente dependentes da BR-040, principal via de entrada e saída da Cidade. No local construíram um grande conjunto habitacional, mas fizeram vista grossa para ocupação do morro, pois, afinal de contas, aquela área é federal e, portanto, não é de ninguém. Então, o governo Federal é culpado por omissão.

Por último, pode ser que culpem até o bom São Pedro, que não precisava mandar tanta água concentrada em um só local duas vezes seguidas. Desconfio dele não gostar muito de Petrópolis, pois a Cidade foi batizada em homenagem a um outro Pedro, o Imperador, deposto por um golpe militar e estupidamente exilado.

(*) Petropolitano da gema, morando no “exterior” (MG).

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