Economia e política fora de compasso

10/10/2020 00:01

 

Conheci o ministro Paulo Guedes na Escola de Pós-Graduação em Economia- EPGE/FGV nos idos de 1972-1973. Aluno brilhante e aplicado, partiu depois para o doutorado no Departamento de Economia da Universidade de Chicago. É o departamento que concentra o maior número de economistas agraciados com o Prêmio Nobel no planeta. Ainda me recordo dos papos inteligentes que batíamos naqueles dois anos no restaurante da FGV.

Fui leitor assíduo da coluna semanal que manteve em O Globo por cerca de 20 anos. Ele, por sua vez, acompanhou artigos e ensaios que publiquei, no início da década de 1990, no então prestigioso Jornal do Brasil (JB), em que a Coluna do Castelo sobre política era leitura obrigatória. Também publiquei no saudoso Correio da Manhã. Em meados da década de 2010, escrevi vários artigos para o Estadão, também lidos pelo ministro. Um deles, intitulado “Sonegômetro ou enganômetro?”, de 11.11.2015, foi objeto de vários comentá-rios. Eu argumentava contra a ideia dos fiscais do imposto de renda em SP de criar o sonegômetro. Eles achavam que se não houvesse sonegação o governo teria recursos de sobra para suas sempre crescentes necessidades de caixa. Demonstrei que para tal a carga tributária iria saltar para quase 50%(!) do PIB.

Em meados da década de 2010, retomamos alguns contatos pessoais em seu escritório no Rio de Janeiro. Nessa época, almoçamos juntos duas vezes. Ele me contou um episódio da vida do Milton Friedman, Nobel de Economia em 1976. Ele estava no Chile dando uma entrevista. Os chamados Chicago boys, sempre desancados pela imprensa brasileira, estavam à frente das reformas econômicas implementadas pelo governo militar chileno. (Esclareço que nunca nutri a menor simpatia pelo sr. Pinochet.) Observando o tom críticos das perguntas, em dado momento, Friedman olhou para os jornalistas e disse que deveriam lhe perguntar para onde estava indo. Ele mesmo respondeu: “Vou à China prestar consultoria econômica ao governo reformista de Deng Xiaoping”. Este se tornou célebre com a frase “o que importa é que um gato coma ratos e não se é branco ou preto”. E foi assim que a China deslanchou. O próprio Chile, a despeito dos protestos recentes, tem o melhor padrão de vida da América Latina.

Num dos almoços, comentei com ele que o Brasil estava se tornando um colecionador de décadas perdidas desde 1980. (“Risco de novas décadas perdidas”, de 21.04.2016, foi um dos últimos artigos meus no Estadão.) Naquela ocasião, Guedes relembrava que a assessoria em política econômica de Friedman já contava com duas histórias de sucesso. Eram profissionais, e não aquele tipo de economista que acaba levando os países para o brejo ou para a paralisia, como ocorreu com o Patropi sob o PT.

Era visível nele uma angústia pessoal de ver o Brasil ser incapaz de realizar reformas que nos permitissem retomar o crescimento em bases sustentáveis. Em sua ânsia de contribuir, percebeu que a candidatura Bolsonaro, na época, refletia uma profunda insatisfação popular com as políticas desastrosas da esquerda e a corrupção tornada sistêmica. E que o momento era propício para colocar suas ideias e propostas em prática.

Foi duro com os militares, inclusive Bolsonaro, quando lhes disse que as estatais e suas roubalheiras eram seus filhos drogados que voltavam à casa. Conseguiu ainda derrubar a SELIC de 6,5% ao ano para os atuais 2%, feito inédito diante das doutas “explicações” da resistência dessa taxa. O grande mérito foi reverter a situação de décadas em que a taxa de juros era maior que a taxa de retorno do capital. Pôs fim ao paraíso dos rentistas, ele, um ban-queiro! Abriu espaço para que o setor real da economia voltasse a crescer.

Vejamos agora o mais que problemático lado político. A carreira política de Rodrigo Maia vem sendo bem sucedida dadas as posições que alcançou, sendo hoje presidente da Câmara Federal. Entretanto, sua trajetória e a dos políticos em geral se deram no bojo de um sistema político, segundo o senador Tasso Jereissati, completamente falido. Um mundo em que os problemas se arrastam por 30 anos para serem resolvidos, como ocorreu com a inflação, a reforma trabalhista dentre outros desajustes que nos custam os olhos da cara.

O ritmo da política brasileira inverteu a máxima inglesa: “Tempo não é dinheiro”. É uma das piores facetas do chamado Custo Brasil. E a coisa tem efeitos desastrosos da política sobre a economia. Privatizações, redução da desigualdade, ensino básico de qualidade em tempo integral podem esperar quase que indefinidamente. Para piorar, o STF não perdeu a oportunidade de cometer erros monumentais como julgar inconstitucional, por unanimidade, em 2006, a cláusula de barreira, de que muitos dos ministros se arrependeram depois. Ou de também declarar inconstitucional, por um placar de 6 a 5, a redução proporcional de salário e jornada no setor público nos três níveis. Os efeitos dessas duas decisões foram – e são – os piores possíveis a longo prazo. (Será que o STF tem algum tipo de assessoria econômica?)

Nesse contexto, os conflitos entre economia (Guedes) e política (Maia) eram previsíveis. O primeiro ansioso por livrar a economia brasileira da camisa de força imobilizante e o segundo habituado à marcha lenta de sempre. Analistas da grande mídia, com frequência, esquecem que o imposto de renda negativo, outro nome para o Renda Brasil, nada mais é do que uma proposta de Milton Friedman de mais de 40 anos. Ou seja, os economistas de Chicago conhecem o drama social e não o ignoram. Resta torcer para que a retomada em “V” do Paulo Guedes venha com força. Ter feito a taxa SELIC beijar a lona, a longo prazo, já é um dos grandes legados do ministro a não ser que a velha política faça mais uma das suas para arrochar a camisa de força que nos tira o fôlego.

A boa notícia é que o presidente da frente parlamentar, Tiago Mitraud (Novo-MG), apresentou uma reforma administrativa que atinge os atuais servidores públicos, aqui inclusos juízes, promotores e procuradores do Ministério Público. Ela é vista como imprescindível pelos especialistas para o equilíbrio das contas públicas. Antes tarde do que nunca.

 

 

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