Eleições da OAB: o que não querem que você saiba
Para começo de conversa, o orçamento anual, apenas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, é da ordem de R$ 260 milhões. É inegável a necessidade de estrutura para um órgão de classe que tem por missão proteger as prerrogativas daqueles que têm o contrato e a procuração para defender cidadãos e seus interesses perante concurseiros alçados à condição de autoridades por prova que não mede algumas habilidades necessárias a um agente público. Não que não existam agentes públicos com competência; existem e não são tão poucos. Mas isso tem mais que ver com um truísmo do que com um projeto claro do Estado brasileiro. Pois bem, para enfrentar agentes estatais frequentemente em abuso de poder, deve estar atenta e altiva a OAB.
A razão é simples: os cidadãos e seus interesses, perante agentes estatais que desqualificam seu povo, e até tem a má prática de suspeitar de seus interesses e demandas, precisam da advocacia. E a advocacia, nos seus naturais embates, precisa da OAB para despersonificar conflitos que ultrapassam limites e alcançam algum inscrito nos seus quadros, evitando retaliações de maus agentes públicos sobre advogados e advogadas.
Uma forma de definir advogados é dizer: “aquele (ou aquela) tem lado!” Mas no Brasil ter lado parece ser pecado e, pior, suspeito. Insuspeitos são os agentes públicos, apesar de, infelizmente, um pretenso manto de imparcialidade permitir as situações mais descabidas e escândalos semanais.
Contra tudo isso, pouco pode um ou outro advogado. Surge a OAB em 1930, justamente num contexto da promessa de maior igualdade abandonando oligarquias da República Velha. Os conhecidos problemas da cena pública brasileira, bem como a natureza do ofício dos seus membros letrados e acostumados com demandas num país que demorou a se livrar da escravidão e com pouco letramento, foram colocando-a como protagonista em momentos históricos da vida pública brasileira basicamente com a seguinte linha: defesa da democracia com alternância de poder, luta por um país menos autoritário e defesa de práticas republicanas.
Na esteira disso, a OAB vai passando, paulatinamente, a ter cadeira em diversos debates sobre políticas públicas e em conselhos de políticas públicas setoriais. Em 1934, logo na sequência de seu surgimento, a nova Constituição formaliza o quinto constitucional, que segue até o desenho atual da Constituição Federal de 1988. Pelo quinto, temos a obrigação de que 20% da magistratura da segunda instância seja composta por membros da advocacia e do Ministério Público, o que faz com que 10% dos tribunais sejam formados a partir da advocacia com lista construída a partir de votação em conselhos da OAB (seccionais de cada estado, ou federal, a depender do caso). Nos tribunais superiores, há variação de regra e forma de indicação, mas sempre com quadros oriundos da advocacia, inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF), cuja indicação, pelo presidente da República, é mais livre, e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde, o “quinto” vira “terço”.
Mas, se a ideia de oxigenação do Judiciário (e também do Executivo) com controle entre poderes da República se soma à história da OAB, desaguando em responsabilidades para a advocacia, torna-se obrigatório prestarmos mais atenção nas eleições da OAB. O coração das eleições da OAB passa pela votação direta para as seccionais (estados), que controlam orçamento a partir da arrecadação de anuidades, votam o quinto constitucional dos tribunais estaduais e apontam, cada seccional, três conselheiros federais para que, de forma indireta, a diretoria do Conselho Federal da OAB seja por estes eleita. Se as seccionais são o coração, temos por braços e pernas as subseções, que são a representação local da OAB em cidades ou regiões (maiores ou menores que cidades). Por exemplo, temos a 3ª subseção da OAB-RJ com sede em Petrópolis, mas que também abarca a cidade de São José do Vale do Rio Preto. Seguindo em exemplos, temos a subseção da Barra da Tijuca, abarcando bairros próximos, e uma das que fracionam a cidade do Rio de Janeiro.
Como sabemos, coração fica escondido e blindado por caixa toráxica. Braços e pernas são mais vistos por aí. É lamentável para os princípios que a OAB defende para a sociedade como um todo, mas são pouquíssimas as seccionais que têm critérios claros para a distribuição de recursos para as subseções, que estão mais perto da advocacia e dos cidadãos. A situação acarreta gestores das subseções mais pressionados por colegas e pela sociedade por um lado e com menos recursos por outro. Caso não tenham criatividade e legitimidade para encontrarem soluções, tornam-se presa fácil dos interesses dos dirigentes da seccional que concentra recursos e processos decisórios institucionais mais nevrálgicos. Como resultado, temos a potência da OAB e seu serviço para a cidadania freados. Ou por cooptações a interesses que não aqueles que chegam às subseções se há uma capitulação à seccional, ou então pelo desgaste de gerar recursos a partir de eventos, rifa, bingo ou qualquer coisa do tipo para não se fazer uma gestão à míngua. Sem recursos, a OAB de qualquer subseção não consegue sequer emprestar seu auditório para uma reunião qualquer da sociedade civil. Parece que falta a boa parte de gestores da OAB lerem Coronelismo, Enxada e Voto, obra seminal das humanidades do Brasil escrita por um ex-membro do Conselho Federal da OAB, Victor Nunes Leal, que a partir de destaque na advocacia foi também ministro do STF.
Como a advocacia é atenta e não acredita em acasos, pode ser que perceba que a importância histórica, espaço institucional e penetração na sociedade do seu órgão de classe passaram a interessar àqueles que se desinteressam pelo respeito à Constituição e práticas republicanas (essa revolução!) no Brasil. Retomar a OAB para a advocacia real e lutadora é fundamental para toda a sociedade. A OAB tímida e a advocacia desrespeitada infelizmente é algo que interessa a muita gente e a uma lógica oligárquica, que parece querer se vingar da fundação da OAB em 1930 na derrocada da República Velha com o constrangimento de coronéis. Desmoralizar a OAB parece ser um projeto.
Para a incúria, vem a calhar inscritos na OAB que, conscientemente ou não, empreendem para o desprestígio da instituição. Investe-se num aboletar-se para construir distinções na advocacia, com o surgimento de um sem-número de comissões, e os cargos correspondentes, mas sem efetividade. Essa é apenas uma das más práticas que foram estabelecidas, inclusive na busca de um afago na vaidade de uma advocacia desrespeitada e cada vez mais desprestigiada e incompreendida, mas que poDE servir para algo ali na frente.
Em vez de se enfrentarem autoridades em abuso de poder contra a cidadania, vem sendo estabelecida, no sistema OAB, em lógica concorrente ao invés de complementar, uma lógica de curso, ou pior, mentoria de comunicação não violenta ou algo congênere. Ato seguinte, chama o advogado para um rega-bofe qualquer a partir de evento festivo da OAB, pago pela própria OAB ou por advogados bem-sucedidos, num ambiente onde o Direito tem interpretações seletivas e sofre com relações pessoais dos tomadores de decisão. Risos e sorrisos para fotos em redes sociais, mídias chapa branca da gestão da vez da OAB e/ou mídia de relevância restrita. Quando chegam as eleições da OAB, cobra-se o voto pelo se sentar à mesa de jantar e qualquer afago na vaidade. O voto acaba sendo para o projeto de “nada mudar” seguir seu triste e vergonhoso percurso, traindo a história da OAB e as lutas da advocacia.
Hienas! Alguns bradariam. Mas hienas não fazem mal a ninguém comendo restos, e são injustiçadas como os abutres, uma vez que proporcionam algum equilíbrio ambiental. A comensalidade da biologia é tão inofensiva como a de pares e comensais à mesa. O problema aqui é outro: é quando alguns advogados, instrumentalizando a OAB, querem ser tratados de forma desigual perante autoridades, oferecendo migalhas, ou omissões, para seus colegas de profissão. Em resumo, não enxergam colegas como pares! Animais não merecem ser injustiçados. A má prática é do ser humano mesmo.
Infelizmente, e para complicar, a advocacia vota em chapa fechada para diretoria e conselho (uma espécie de parlamento das gestões no sistema OAB). Não há proporcionalidade, ou seja, qualquer chapa derrotada não conquista cadeiras no conselho em proporção percentual aos votos que teve. Quem ganha leva tudo. Como diretores escolhem os candidatos a conselheiros de suas chapas, não é tão simples a crítica a diretores, função crucial dos conselheiros federais, seccionais e das subseções da OAB. Como se sabe, na cultura brasileira, a crítica, tão vital para qualquer tomada de decisão, é normalmente adjetivada negativamente ou afastada.
Mas fundo do poço também é lugar para se tomar impulso e, como já disse, a advocacia é treinada para perceber malfeitos. Alguns votantes nas eleições da OAB podem estar destreinados por não estarem praticando a advocacia no momento. Mas eles têm colegas com quem podem conversar. O desejo de mudança é tão grande quanto a rejeição ao posto. Não bastasse isso, as eleições do sistema OAB são a oportunidade de crítica mais pública e balizada sobre o Judiciário. São avaliadas ações e omissões de dirigentes da OAB precipuamente perante membros do Judiciário e, por natural, os problemas do Judiciário aparecem como nunca. Não fosse todo o resto, somente isso já deveria fazer o público prestar mais atenção e estar mais bem informado. Advogados praticantes e inscritos na OAB têm essa obrigação. Em jogo estão tempos menos sombrios para a advocacia, mas não somente isso!
Mário Miranda Neto
Advogado