Eloísa Machado: Decisão do STF sobre patentes acaba com privilégios

07/05/2021 08:30
Por Renée Pereira / Estadão

A professora de Direito Constitucional da FGV Direito/SP, Eloísa Machado, considerou acertada a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) contra a extensão dos prazos de patentes para além dos 15 ou 20 anos. Ela destaca que, pela decisão de quinta-feira, 6, ficou claro que essa medida é inconstitucional. Ao contrário daqueles que pregam que o julgamento vai restringir a inovação e investimentos, Eloísa afirma que a decisão é apenas a volta à normalidade. “Esse tipo de proteção extravagante é uma coisa que não tem parâmetro no mundo.” A seguir, trechos da entrevista.

O que ficou decidido ontem e o que ainda precisa ser julgado?

A decisão de ontem declarou o parágrafo único do artigo 40 inconstitucional. Mas o tribunal ainda não definiu o impacto dessa declaração. Pela lei, há efeitos retroativos. O que significa dizer que qualquer extensão de patente que esteja em vigor para além dos 15 anos ou 20 anos de proteção será cassada. Mas já se desenha no STF uma tentativa de modulação desses efeitos. Ou seja, quando olhar para o passado, fazer com que apenas as extensões de patentes do setor de saúde sejam cassadas. Os demais setores, como informática e agronegócios (sementes), não seriam afetados. Mas, independentemente do setor, daqui para frente não poderão ser concedidas novas extensões.

O que representa essa decisão?

É a primeira vez que o STF decide sobre a constitucionalidade de alguns artigos da lei de propriedade industrial frente ao que a Constituição prevê em relação ao tema. É um julgamento muito importante. O principal motor dos votos dos ministros foi o impacto que essas patentes têm em relação ao preço e ao acesso aos medicamentos. Isso pode ter impacto em novas decisões uma vez que há outras ações em tramitação no STF sobre o assunto.

Há outros pedidos pendentes?

Sim. A judicialização de medicamentos de alto custo traz esse argumento de patentes assim, como a inconstitucionalidade das patentes pipeline, que retiram medicamentos que já estavam em domínio público. O debate que pega essa interface do direito à saúde, do preço do medicamento e da patente que está presente em algumas outras ações no STF teve uma sinalização muito forte no sentido de que o tribunal está atento aos prejuízos que um desequilíbrio nessa proteção indevida pode acarretar ao acesso a saúde.

A decisão pode provocar desincentivo à inovação e evasão de investimentos?

Não acredito nisso. Não estamos falando de flexibilidade ou quebra de patente. Estamos falando de um retorno à normalidade à patente, de que o prazo além dos 20 anos é inconstitucional. Mesmo assim, os setores mobilizam esses argumentos de que qualquer mudança vai promover um desincentivo. Isso não é verdadeiro. Além disso, há um amplo diagnóstico global que se preocupa com a falta de inovação em várias áreas, sobretudo para doenças que assolam países pobres, justamente por não ser um sistema capaz de gerar uma inovação como havia sido prometida. O diagnóstico é que talvez se tenha dado muito privilégio de inovação em troca de pouca inovação. É um sistema em crise, um sistema que passa por muitos debates de revisão global. É uma pena que os setores produtivos se mostrem tão resistentes em pensar formas de encontrar saídas sobretudo quando a pandemia escancara as falhas tão graves desse sistema.

Então a decisão não provoca insegurança jurídica?

Não. Estamos falando de uma adequação da legislação ao que a Constituição diz e uma adequação aos parâmetros internacionais. Esse tipo de proteção extravagante (20 anos mais 10) é uma coisa que não tem parâmetro no mundo. Estamos falando de empresas que exploraram por 20 anos essas invenções e patentes e querem ter direito a mais 10, sendo que é inconstitucional. Podem desejar ser exclusivos e monopolistas pelo resto da existência, mas esse não é o sistema que lidamos, que é um sistema de competitividade, concorrência e livre iniciativa. Grandes setores e indústrias que enriqueceram ilicitamente baseado numa regra inconstitucional não estão muito felizes. Queriam manter esse privilégio mais um pouquinho.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Últimas