Em 1968

07/05/2018 08:51

Quando se fala com o que passa pelos sentidos, a palavra carrega consigo a lamina afiada da realidade. Por isso deve ser usada de forma precisa para não ferir ao ser exposta ao vento. O tempo cicatriza dores. Mas, quando estas despertam o ódio, não dar para prever as ações movidas por vinganças. O certo é que as palavras também colocam a vida em risco. E, por essa razão, concordo com Torquato Neto, quando diz que devemos louvar o que bem merece, deixando o que é ruim de lado:

“Louvo a esperança da gente/ Na vida, pra ser melhor/ Quem espera sempre alcança/Três vezes salve a esperança!/ Louvo quem espera sabendo/ Que pra melhor esperar/ Procede bem quem não para/ De sempre mais trabalhar/ Que só espera sentado/ Quem se acha conformado”.

1968 é um ano que a história carrega dando explicações. Nele, ocorreram fatos que servem de exemplo; outros, de lição. Eclodiram, no mundo, conflitos que até hoje polarizam profundas discussões no âmbito político, ideológico e cultural. Entre eles, destaco a ação do exército dos Estados Unidos em My Lai, em março do citado ano. Executaram centenas de civis, incluindo mulheres e crianças, durante a Guerra do Vietnã. O que ficou conhecido como o Massacre de My Lai chocou o mundo.  Foram assassinadas, sem a mínima chance de defesa, em torno de 504 pessoas. Nessa época, o mundo sofria com as consequências da Guerra Fria: Estados Unidos e a antiga União Soviética digladiavam, viviam na obsessiva corrida armamentista. Hoje fatos semelhantes ocorrem na Síria.

Abordei esse assunto, porque o movimento de maio de 1968, ocorrido na França, ganhou destaque nos noticiários da semana. Não há dúvida, esse movimento merece uma atenção pela influência que exerceu. Porém são necessários alguns esclarecimentos, principalmente em relação ao momento político vivido no Brasil. 

Antes de 2 de maio do referido ano, dia em que as autoridades da Universidade de Paris, em Nanterre, tentaram expulsar os estudantes; em março do mesmo ano, a Polícia Militar invadira o restaurante dos Estudantes, chamado Calabouço no Rio de Janeiro. Nesse conflito, foi assassinado o secundarista Edson Luís. Fato este que uniu a classe artística, intelectuais e estudantes em uma mobilização que culminou com a Passeata dos Cem mil, na capital fluminense.

 A nossa realidade era diferente da francesa. A mudança do regime político, em 1964, já havia criado um grande anseio de liberdade. Por isso o “é proibido proibir” ganhou uma aceitação maior entre os jovens brasileiros.

Contudo, vejo os ideais do movimento hippie com mais penetração na juventude, pois não se restringia a “paz e amor”. Havia um repúdio severo às armas nucleares, uma crítica aos senhores da guerra, além de propor uma vida em harmonia com a natureza.

 É um equívoco limitar o movimento hippie a sexo, droga e rock and roll. Havia uma resistência ao consumismo desenfreado. Triste é ver a estética hippie comercializada por quem a criticava. O jeans desbotado, que hoje virou moda, era sinal de despojamento; o cabelo comprido sem laquê refletia irreverência. Muitos jovens norte-americanos se recusaram a pegar em armas, não foram ao Vietnã. 

O assassinato de Luther King em março de 1968 também teve uma repercussão mundial, aumentou a indignação dos jovens que se mobilizavam contra a discriminação racial. Esse foi mais um fato que fez crescer a luta pelos direitos humanos.

O AI-5, editado em dezembro de 1968, apenas respaldou o que já pairava no ar com a proposta: “Brasil, ame-o ou deixei-o”.

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