Em busca do país perdido

16/mar 08:00
Por Gastão Reis

Lendo o instigante artigo “Em busca do país Real”, do Prof. Edmar Bacha, publicado no domingo, 10.3.2014, me pareceu adequado fazer um contraponto com o país perdido a ser reconstruído mencionado no título, ou seja, Brazil (com z) vs. Patropi, em que este ilustra as mazelas republicanas em que nos perdemos faz mais de 13 décadas. Aproveito a oportunidade para exercitar o debate civilizado, que nos leva para frente e que tanta falta nos faz.

No primeiro parágrafo, Bacha nos fala de sua conhecida fábula intitulada Belíndia, uma combinação de Bélgica com Índia, para ilustrar um país em que só uma minoria se beneficiou do crescimento, deixando a grande maioria da população a ver navios em que ela não conseguiu embarcar.  Outros economis-tas famosos pegaram carona e bolaram metáforas semelhantes. O saudoso Mario H. Simonsen cunhou Banglabânia, junção de Blangladesh com Albânia, em que alertava para o risco de o país empobrecer como resultado das tendências autárquicas e estatizantes da Carta de 1988.

Bacha cita vários outros em que a tônica é a denúncia da marcha lenta de nossa economia, que vem desde a década de 1980, e que, pelo jeito, pode completar meio século, daqui a poucos anos em 2030, a permanecer a zona de conforto em que o atual governo Lula se imobilizou, insistindo em aplicar receitas que já deram errado no passado, aqui, e agora, no exterior.

Logo em seguida, Bacha nos fala dos múltiplos e permanentes males da atualidade brasileira: “desigualdade, preços surreais, pobreza, introversão, estagnação, impostos sem contrapartida de serviços, corrupção (endêmica, acrescento eu) e violência, ataques ao meio ambiente e aos povos originários”. É uma lista daquilo de que precisamos nos livrar para avançar. Menciona ainda o Plano Real, que nos permitiu resolver dois problemas históricos da economia brasileira: alta inflação e crises de balanços de pagamentos. A rigor, em boa medida, do regime republicano brasileiro.

Antes de entrar no contraponto que pretendo fazer, cabe registrar que Bacha, juntamente com os professores Tombolo e Versiani, é autor de uma pesquisa intitulada “Estagnação Secular? Uma nova visão sobre o crescimento do Brasil ao longo do século XIX”. A conclusão, contrariamente ao que nos diz a historiografia econômica consolidada, é que nossa renda real per capita cresceu 0,9% ao ano no século XIX. Era o que a Europa e os países latino-americanos de então cresciam, exceto os EUA, um caso excepcional único. Diplomatas brasileiros, que também eram historiadores, com o devido respaldo das fontes originais fidedignas, já apontavam nessa direção confirmada por Bacha-Tombolo & Versiani.

As implicações são amplas, pois nos permitem somar à moldura político-institucional de então, capaz de controlar os desmandos do andar de cima com o poder moderador, o sucesso em termos do desenvolvimento econômico do País. Depois de 1889, literalmente, perdemos rumo político-institucional. O desastre da República Velha fala por si mesmo, e acabou na Revolução de 1930 liderada pelo Sul e Nordeste, os excluídos da “festa” do triângulo SP-MG-Rio.       

Vamos agora ao contraponto.

Em linhas gerais, os males listados no quarto parágrafo deste artigo, arrolados por Bacha, não se encaixam exatamente no panorama político-econômico do século XIX, em especial no Segundo Reinado. Não éramos um país fechado ao mundo, a pior das desigualdades, a escravidão, foi combatida até sua extinção com a Lei Áurea, os preços eram estáveis e nada surreais, a  carga tributária era muito menor que a atual (impostos), o meio ambiente foi respeitado (a floresta da Tijuca replantada exemplifica), os povos originários foram cuidados a ponto de D. Pedro II dominar duas línguas indígenas e a corrupção foi mínima. Apenas dois casos exemplarmente punidos, como nos garante o historiador Marco Antonio Villa, dentre outros.

Não vai aqui nenhum saudosismo monárquico, mas sim uma bela foto muito diferente do negativo que a república nos apresenta hoje. A persistência dos males denunciados por Bacha não mereceu atenção séria dos poderes republicanos constituídos, ao longo de muitas décadas, até chegar ao que o Brasil é hoje. Trata-se nitidamente de um quadro de falência político-institucional em que a república vem se revelando incapaz de dar solução consequente. Sem um ajuste radical dele, vamos continuar à deriva.

No meu livro História da Autoestima Nacional – Uma investigação sobre monarquia, república e preservação do interesse público (a segunda edição deverá sair em breve com novidades importantes), na página 213, montei um Quadro Comparativo das Instituições do Império e da República. em que listei 12 indicadores de qualidade político-institucional. E qual não foi minha própria surpresa ao verificar que o Império no seu tempo atendia a 80% deles e que a república, ainda hoje, mal atinge 20%.

Mais grave ainda é o fato de a confiança, como mola mestra de sustentação das instituições ditas republicanas, estar completamente ausente entre o andar de cima e a população em geral.  Políticos, partidos, STF e instâncias do poder público estão desacreditados. A propalada democracia se reduz ao direito de votar a cada dois ou quadro anos. O controle do eleitor sobre seus representantes entre as eleições é praticamente nulo em função da inexistência do voto distrital puro (ou equivalente) e do recall (possibilidade de revogação de mandatos entre as eleições).

A grande mídia faz denúncias e mais denúncias sem ir ao âmago da questão. Só agora parece estar acordando em um longo  e recente artigo  de Merval Pereira em que ele reconhece que as instituições brasileiras estão falidas. E reafirma a importância da reforma em profundidade do atual arcabouço político-institucional brasileiro. 

Tal situação nos permite afirmar que estamos diante de um aleijão institucional desde 1889, que não foi obra da colonização portuguesa. Foi caso de filho ingrato que dilapidou, como vimos, a fortuna institucional funcional herdada de Portugal. E mãos à obra.

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