Em estado agônico

01/set 08:00
Por Ataualpa A. P. Filho

Sei que não sou o único a considerar a situação em que vivemos como agônica. Há uma agressividade em situações banais que demonstram o desequilíbrio emocional proveniente da insegurança presente em relações afetivas instáveis. Fator este que muito contribui para o que se batizou de “estresse”. Parcela da sociedade vive “estressada”, em estado crônico de tensão psicológica. Por isso que a resiliência tem sido apontada como uma das formas de superação das adversidades, uma vez que favorece a flexibilidade necessária para compreender as dificuldades.

Manter a serenidade é imprescindível. O equilíbrio é necessário diante das decisões efetuadas diariamente. Por isso considero o amor antidepressivo, antiestressante. Não se trata aqui de uma concepção poética, uma vez que o metabolismo humano reage de forma diferente perante o amor e o ódio. Está comprovado cientificamente que tanto o amor quanto o ódio podem alterar o estado físico e mental da criatura humana.

Para mim, amar é também um ato revolucionário. Ser solidário consiste em uma desobediência civil dentro de um sistema que prega a individualidade, a exploração do semelhante em benefício próprio. Os reflexos da violência que constatamos nas ruas também são evidenciados nos locais de trabalho e no ambiente familiar.

É fácil encontrar o inferno no outro, quando ele já reside no coração de quem o enxerga na presença do próximo. Assim como ninguém ama o que desconhece, só é possível identificar o inferno quando se tem a mínima noção de como ele é. Em síntese, ele está no lado in-terno, “não-terno”, ou seja, encontra-se na margem oposta à empatia.

Hoje exponho as minhas convicções utópicas, porque preciso respirar diante de tantas incredulidades. Tenho a certeza de que permanente é a mudança. O fluxo do tempo, embora lento aos nossos olhos, traz o amanhã no movimento imperceptível dos segundos. Ninguém é superior a ele. Nenhum ditador se perpetua no poder. O tempo existe também para reduzir a pó as arrogâncias.

O desespero nos domina quando queremos que o tempo tenha a velocidade dos nossos desejos. Trago da infância uma frase sempre repetida pela minha mãe: “o que não é para sempre, sempre se aguenta.”

Até as dores são transitórias. Aprende-se a lamber rapadura para não perder o doce da vida, nem a doce vida. Enquanto houver esperança, haverá coragem. É certo que o nada do depois é pior do que o nada do antes quando o durante nos permitiu momentos felizes.

A eternidade dos instantes vividos transforma-se em energia propulsora da reconstrução, do recomeço. É verdade que “nada será como antes”. O amanhã nunca será a repetição do ontem. O passado que deve nos conduzir nesta travessia é o que respira gratidão, porque, nela, encontra-se a referência do amor que merece ser retribuído. E aqui vale o dito popular: “o amor com amor se paga”…

A superação ganha mais força quando se luta para reconstruir aquilo que retém a nossa razão de viver. Por isso, reafirmo: o antídoto para o estado agônico que nos cerca é o amor. Para mim, ainda é a melhor alternativa. A autoestima consiste na vitória da batalha que se trava dentro de si.

Na semana passada, na escola em que trabalho, conversei com o pai de um aluno. O que ele relatou, deixou-me ainda mais convicto de que o ato de amar não mede esforços quando se pretende ajudar a quem se ama:

– Professor, sei que meu filho já é um homem adulto. Estuda nesta escola. Há muito tempo que não o via assim tão animado para voltar a estudar. Ele ficou muito tempo parado em casa, desanimado, sem querer fazer nada. Mas agora encontrou um trabalho que está exigindo dele a conclusão do Ensino Médio. Sei que ele é que deveria estar aqui. Mas, estou tentando ajudá-lo. Acho que agora ele se encontrou. Tá trabalhando no que gosta…

O amor paterno estava explícito no semblante dele. Vi o esforço de um pai na luta para resgatar a autoestima do filho que reativou a matrícula na escola para retomar o rumo da vida e correr atrás do tempo perdido. As lições de vida surgem assim pela via do amor. Não vejo heroísmo no ódio destilado. Em período de desesperança, o pensamento niilista vem à tona pela descrença na natureza humana. Sei que a distopia evidencia o fracasso do humano. Mas o desafio é exatamente este: humanizar o homem.

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