Em ‘Labirinto’, Dustin Hoffman tenta desvendar segredos de uma mulher misteriosa

20/08/2021 08:00
Por Luiz Carlos Merten, especial para o Estadão / Estadão

Há uma disputa de narrativas em O Labirinto. O longa do italiano Donato Carrisi, baseado em seu livro, ganha mais uma semana em cartaz. É falado no idioma nativo do autor e em inglês. Conta a história de uma mulher encontrada na rua – nua, dopada e com uma perna quebrada. Samantha (Valentina Bellè) é identificada como a garota de 13 anos que desapareceu 15 anos antes. No quarto do hospital, é assistida pelo Dr. Green/Dustin Hoffman, que tenta penetrar nos segredos de sua mente para descobrir onde esteve presa, e por quem. Na rua, um tal Bruno Genko/Toni Servillo realiza outra busca. No passado, ele desistiu de procurar Samantha e agora, com os dias contados – é doente terminal -, dedica seu resto de tempo a investigar o caso.

Ambos, Hoffman e Servillo, buscam identificar o homem do labirinto – o título original, L’Uomo del Labirinto -, que manteve Samantha presa todo esse tempo. Hoffman é aquilo que a crítica chama de Hollywood legend – fez na juventude todos aqueles filmes cultuados, A Primeira Noite de Um Homem, Perdidos na Noite, John e Mary -, ganhou duas vezes o Oscar, por Kramer Vs. Kramer e Rain Man, em 1979 e 88, e segue na ativa. Servillo tem sido, ou foi, por um bom tempo, o ator-fetiche de Paolo Sorrentino, fazendo com ele os melhores filmes do autor – no geral, os anteriores à sua consagração em Hollywood.

Dois estilos de interpretação dos atores, duas narrativas que cabem ao espectador completar. Dr. Green investiga o labirinto da mente de Samantha, e ela esteve presa num labirinto. Estabeleceu uma espécie de jogo com seu sequestrador. Para o espectador cinéfilo, as associações são mais que evidentes – o labirinto de Stanley Kubrick em O Iluminado, a mente enferma de Jack Nicholson; e O Quarto de Jack, porque Samantha pode ter tido um filho no cativeiro. Na rua, Genko segue uma pista que parece esdrúxula. O homem que encontrou Samantha diz que viu o sequestrador – um coelho do tamanho de um homem, com olhos em formato de coração, e vermelhos. Genko, mesmo com risco de ter a sua sanidade colocada em xeque, busca o Bunny Man.

E aqui é preciso esclarecer que talvez seja difícil avançar na crítica sem spoiler. Bunny Man existiu, nem que seja como lenda urbana. Um criminoso serial que agiu na Virginia, nos EUA, décadas atrás e é transportado para uma Itália que sofre o rigor de um calor absurdo. A pesquisa de Genko o leva a um porão, e é difícil não pensar em Jogos Mortais, O Silêncio dos Inocentes e até Seven – Os Sete Crimes Capitais, quando entra em cena o sacristão que pode estar implicado no caso. Tudo ‘pode’ ser, nada é conclusivo. Lá pelas tantas, levantam-se suspeitas sobre o próprio Dr. Green. Samantha conseguirá fugir ao labirinto da sua mente? E Genko conseguirá resolver o caso antes de morrer? O que é fato e o que é ficção nessas narrativas cruzadas?

Para seguir falando sobre O Labirinto é preciso evocar o giallo, gênero literário e cinematográfico que se impôs como uma tendência do cinema industrial italiano dos anos 1960 aos 80. O nome vem da capa amarela das revistas pulps que proliferaram nas bancas italianas, coincidentemente com a evolução do fascismo, a partir de 1929. Surgiram, bem depois, diretores como Mario Bava, Dario Argento e Umberto Lenzi, para só citar alguns. Viraram cults, mesmo que na época não merecessem tratamento respeitoso da crítica.

Mistura de suspense e romanzo criminale, o giallo carregava nas tintas, isto é, nas cores. Não por acaso, Mario Bava foi grande diretor de fotografia e Dario Argento, um crítico reputado na abordagem de gêneros populares. Justamente por suas cores, e cenários bizarros, O Labirinto já foi definido como a viagem do autor/diretor pelos círculos do inferno de Dante. Nesse sentido, talvez se possa fazer o elo entre Donato Carrisi e Lars Von Trier, que também foi à fonte da Divina Comédia – ao Inferno – em A Casa Que Jack Construiu. Gostando-se ou não, Lars é muito mais conclusivo em relação a Jack. Carrisi não chega a uma conclusão satisfatória. Dá a impressão de querer aprisionar o público no jogo.

O que parece talvez não seja – Bunny, o Homem do Labirinto. Intrigante, opressivo, o filme tem cenas fortes e perturba com suas múltiplas citações a filmes e diretores. O jogo da mente, no labirinto, é o próprio cinema. Carrisi quer expor os medos ocultos do público, tirá-lo da sua zona de conforto. Luca Guadagnino tentou fazer o mesmo com seu remake de Suspiria, após o triunfo internacional de Me Chame Pelo Seu Nome. A questão é que as imagens recentes no aeroporto de Cabul remetem a uma velha lição de Peter Bogdanovich em Targets/Na Mira da Morte, no fim dos anos 1960. O horror da realidade consegue ser mais assustador que o dos filmes.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Últimas