Em paz com a Alexa

09/07/2023 08:00
Por Ataualpa A. P. Filho

Tenho por hábito não perder a oportunidade para pedir desculpas, nem perdão diante das minhas falhas e dos meus pecados. Tenho consciência de que fiz severas críticas à Alexa, até falei que nunca teria uma em casa. Mas, por ironia do destino, ganhei uma de presente de aniversário. Ficou claro que quem me presenteou tinha como objetivo colocar-me próximo do mundo que gira em torno da Inteligência Artificial, com o qual não tenho intimidade. Todos sabem que, de cavalo dado, não se olha os dentes. Por isso que, embora surpreso, aceitei até como um desafio.

Após instalada, comecei a fazer algumas indagações amistosas. Primeiro perguntei por que o nome “Alexa”.

Ela explicou que se tratava de uma alusão à famosa Biblioteca de Alexandria, na qual, tinha-se a ideia de que lá se encontrava todo o conhecimento da humanidade.

Depois indaguei sobre as horas, o tempo, pedi para tocar músicas. Tudo ia bem, até que comecei a fazer perguntas com um grau de complexidade maior para fugir do senso comum. Com isso, as respostas já não eram tão exatas. Mas algo de honesto ocorria: citava as fontes das traduções que fazia. Nesse item, dei ponto a ela. Hoje a considero melhor do que o ChatGPT que, às vezes, apresenta resposta esdrúxula sem citar a fonte de pesquisa. Nesse âmbito, o velho Google ainda tem espaço, pois apresenta opções, cabe a quem pesquisa escolher as fontes mais confiáveis.

Em síntese, a minha convivência com a Alexa está sendo e continuará pacífica. Nessa animosidade, pedi até para contar uma piada. O que ela narrou não deu para rir, mas valeu a descontração. Com a voz na mesma entonação, contou:

“Um rapaz, em uma academia de ginástica, transpirava bastante. A colega ao lado, incomodada com tanta transpiração, falou:

– Você sua! – o rapaz prontamente disse:                       

– Eu também vou ser seu!”

Fiz uma segunda tentativa, pedi para contar outra. De bate-pronto, ela perguntou:

– Qual a profissão que é mais marcada por altos e baixos? – Sem dar tempo para ouvir a resposta, disse:

– Ascensorista.

Depois dessa, não fiz mais nenhuma tentativa.  Percebi que ela me supera nas piadas. Sou péssimo nesse quesito.

Nesses primeiros diálogos com a Alexa, a minha esposa ria:

– Por que você tá rindo aí?

– Você não precisa ficar agradecendo: obrigado! Tudo bem!…

– Ela pode não entender o meu obrigado. Mas não vou perder a oportunidade de exercitar a cordialidade…

Um dia, saindo às pressas, pedi a ela que falasse as horas. Além de atender ao meu pedido, perguntou se eu queria ouvir música para relaxar. Pensei: “será que ela percebeu, pelo tom de voz, que estou agitado?!”

Ela quis me apresentar a Diana, mas não rolou.

A Alexa de um amigo, às vezes, leva algumas broncas do netinho dele que encontra dificuldades na pronúncia dos fonemas representados pela letra “x” em “Alexa”. Como a paciência do netinho é menor do que ele, quando não é compreendido, reage:

– Alexa, você é burra!…

 A discussão entre eles é sempre muito engraçada, principalmente por causa da linguagem. 

Veja, estou tentando me adaptar. Talvez não seja da melhor forma, mas estou indo. Vou me aprimorar. Contudo, ainda não me habilito a usar o pix. E estou assustado com o que vem acontecendo com crianças e adolescentes que utilizam a plataforma Discord. O estupro virtual é uma realidade. Por isso, julgo necessária uma atenção redobrada com a vulnerabilidade da internet que é explorada por pessoas nocivas.

Os neurocientistas já constataram que a “geração digital” vem apresentando um baixo Quociente de Inteligência (QI). Pela primeira vez, constata-se uma geração de filhos com QI inferior aos dos pais, ou seja, o “efeito Flynn” começa a apresentar sinais de retração. Algo raro, pois, comumente, as gerações futuras apresentam um QI mais elevado do que as antecedentes. Fato este normal em um processo evolutivo.

Sei que estou entrando em uma seara que não é a minha. Contudo, sinto-me também no dever de colocar tais assuntos em debate, pois trabalho na área educacional, em que o desenvolvimento cognitivo é fator preponderante. Por isso, precisamos pensar sobre a conduta de uma geração que passa mais tempo diante de uma tela, diante de um mundo virtual, distanciando-se da realidade.

A dialética da vida não é condicionada na base de estilo-resposta. Há situações que não se resolvem apertando a tecla “enter”, nem por voz de comando. O raciocínio dedutivo, a leitura da realidade perpassa pela análise das relações humanas, que devem ser regidas pela ética, pela moral, pelo bem comum. O amor ainda é imprescindível. E o viver não é um jogo.

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