Em recado a Bolsonaro, Fachin diz que resultado das urnas não pode ser rejeitado

01/07/2022 17:55
Por Weslley Galzo / Estadão

A 93 dias do início das eleições e a um mês de deixar a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Edson Fachin não fugiu do confronto com o presidente Jair Bolsonaro (PL) ao tratar das especulações que partem do Palácio do Planalto sobre a realização de “auditoria paralela” nas urnas eletrônicas. Em recado ao chefe do Executivo, Fachin disse que o processo de auditoria não pode ser confundido com “rejeitar o resultado” da disputa.

“A Justiça Eleitoral franqueia todos os meios legítimos de auditoria. Relembro que auditar traduz a ideia de se conferir os procedimentos e instrumentos utilizados na produção do resultado eleitoral”, afirmou. “Auditar, portanto, tratar-se de apurar os meios, instrumentos e procedimentos, e não ser veículo de proposição aberta direcionada, aprioristicamente, a rejeitar o resultado das urnas, que porventura retratem que a vontade do povo brasileira é oposto a interesses pessoais de um ou de outro candidato”, completou.

As declarações do ministro foram feitas na sessão de encerramento dos trabalhos da Justiça Eleitoral no primeiro semestre deste ano. O TSE entrará em recesso pelos próximos trinta dias, e retornará somente às vésperas do início da campanha. Fachin, no entanto, garantiu que a pausa no funcionamento regular da Corte não deve restringir as atividades dos ministros. Ele o voltou a garantir aos eleitores que a eleição deste ano será “livre, segura e auditável”.

O discurso firme em defesa da auditabilidade do sistema eleitoral foi feito com o objetivo de afastar as declarações, sem provas, de Bolsonaro de que as urnas eletrônicas seriam passíveis de fraude. O presidente já disse que o seu partido, o PL, convocará uma empresa para realizar o processo de auditagem dos dispositivos de maneira privada.

“(A auditoria) não é atividade cuja validade se condiciona à produção de um resultado que confirma a vontade isolada de um ou de outro ator político. Em 2022 haverá eleições livres, seguras e auditáveis e que exprimirão a vontade do eleitorado brasileiro, e isso significa respeitar a legitimidade da vontade do verdadeiro e único titular do poder na República Federal: que é o povo briasileiro”, disse Fachin.

A investida do governo federal contra o sistema de votação eletrônico não se restringe a declarações e tentativas deslegitimação por meio de empresas privadas. Os órgão de Estado também têm sido usados na cruzada de Bolsonaro contra o TSE e as urnas. Os ministros da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, e da Justiça, Anderson Torres, enviaram nas últimas semanas ofícios ao tribunal indicando nomes de ofíciais das Forças Armadas e da Polícia Federal para fiscalizar o processo eleitoral.

As consultas e os questionamentos constantes realizados pelos integrantes do governo sobre a segurança das urnas também foram abordadas no discurso de Fachin. O presidente do TSE argumentou que as diferenças de compreensão fazem parte do ambiente democrático, mas que é “no reconhecimento mútuo das distintas dimensões e alcances do entendimento dos interlocutores que se pavimenta o caminho para a solução dessas distensões”.

“Onde há transparência floresce a confiança”, afirmou. “É por isso que este Tribunal Superior Eleitoral tem se dedicado, diuturnamente, à demonstrar a transparência em todas as etapas de sua atuação, especialmente no papel de administrador das eleições, e a confiabilidade de todo o aparato nacional para a realização do certame eleitoral, reforçando que as urnas eletrônicas são seguras”, completou.

A avaliação de Fachin foi reforçada pela percepção do vice-procurador-geral Eleitoral, Humberto Jacques de Medeiros – homem de confiança do aliado de Bolsonaro na Procuradoria-Geral da República, Augusto Aras –, que classificou o TSE como um dos destaques do que chamou de “justiça visível”. “Nunca, jamais, em tempo algum, houve qualquer coisa nesta corte que não fosse transparente. Pelo contrário, é tudo visível”, afirmou.

Encerramento dos trabalhos

Além da fala recheada de recados ao governo, Fachin destacou os resultados dos seus quase seis meses de gestão. Neste período foram autuadas mais de cinco mil ações na Corte, que tiveram com desfecho 778 decisões em plenário, mais de 2 mil decisões individuais, cerca de mil despachos e 73 resoluções. O presidente ainda agradeceu aos parceiros “pela dedicação exemplar e zelo no múnus como revestiram o exercício de suas funções no TSE”.

A sessão ainda contou com três decisões unânimes em consultas realizadas por partidos. O primeiro caso analisado foi o pedido do PSD para que o TSE reconsiderasse uma decisão de maio deste ano, quando limitou a arrecadação dos partidos pela ferramenta PIX à chave CPF.

“Quando se dá por outra chave que não o CPF, a confirmação das informações no sistema eleitoral pode levar o tempo previsto pela normativas, entre 15 e 45 dias, em razão das datas em que realizadas as doações. Por esta razão do lapso temporal, compete à justiça eleitoral, em homenagem à transparência e aos milhares de eleitores, reforçar a transparência”, disse Fachin.

Outro questionamento respondido pelos ministros foi feito pelo deputado federal Gilberto Nascimento (PSC-SP). O parlamentar perguntou se os partidos poderiam receber doações para financiamento de campanhas de pessoas cuja única fonte de renda seja o serviço público. Os ministros, novamente por unanimidade, responderam negativamente. O relator da ação, Mauro Campbell Marques, destacou a amplitude do termo “servidores públicos”, que daria margem para diversas interpretações que violariam a legislação eleitoral

A última consulta foi apresentada pelo senador Alexandre Vieira (PSDB-CE). Ele questionou o TSE sobre os critérios que os partidos devem adotar na distribuição de recursos do Fundo Eleitoral entre os candidatos. Na primeira pergunta, sobre a obrigatoriedade de as siglas distribuírem equitativamente os recursos para candidaturas a cargos do Legislativo, os ministros responderam que não há essa necessidade. Os magistrados também responderam que não há um montante mínimo a ser dividido entre os candidatos.

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