Em referendo, maioria dos chilenos rejeita proposta de nova Constituição

05/09/2022 11:00
Por Redação / Estadão

Os chilenos rejeitaram neste domingo (4), em referendo, o novo texto constitucional.

A nova Constituição substituiria a Carta de 1980, imposta na época da ditadura de Augusto Pinochet. Ela era crucial para as reformas propostas pelo presidente, Gabriel Boric, que fez campanha pela aprovação – e perdeu.

Com a derrota, o velho marco jurídico da ditadura continua vigente. No entanto, há um consenso entre a maioria dos líderes políticos que o projeto de uma nova Constituição segue vivo. A razão é que o projeto de uma nova Carta foi aprovado em um plebiscito, em outubro de 2020, por quase 80% dos chilenos.

No domingo, mesmo antes de saber do resultado, Boric convocou uma reunião no Palácio La Moneda com líderes de todos os partidos para discutir como elaborar uma nova Carta. “Precisamos abrir um diálogo sobre como continuar o processo constituinte”, disse o presidente.

A derrota, no entanto, não seguiu uma linha ideológica. Boa parte dos que rejeitaram a Carta são de centro ou centro-esquerda. Entre eles estão os ex-presidentes Ricardo Lagos, um socialista, e Eduardo Frei, um democrata cristão. Ambos rejeitam tanto a Constituição de Pinochet quanto a nova proposta e defendem que o processo constituinte siga após o referendo.

Piñera

Até o ex-presidente Sebastián Piñera, um conservador de quatro costados, que se manteve em silêncio durante a campanha, parece concordar com a continuidade do processo constituinte. “Temos um compromisso com uma nova e boa Constituição. E vamos cumpri-lo”, afirmou ontem o ex-presidente após depositar seu voto – ele não disse como votou.

Entre os líderes políticos que não devem hipotecar apoio a um novo processo está o líder da direita José Antonio Kast, derrotado por Boric na eleição presidencial. “Temos uma nova chance de reconquistar a nossa pátria. Eu li várias vezes o rascunho do texto constitucional e ainda não entendi nada”, disse Kast logo após votar, em Santiago.

Kast se refere não só ao tamanho do texto constitucional – com cerca de 400 artigos -, mas também à linguagem confusa que garante direitos sem detalhes práticos. O documento menciona o termo “gênero” 39 vezes. As decisões judiciais, a polícia e o sistema de saúde teriam de funcionar com uma “perspectiva de gênero”, que não é definida.

Presença

A votação de ontem foi marcada pela tranquilidade e pelo alto comparecimento. O local que mais simbolizou o dia do referendo foi a maior zona eleitoral do Chile, o estádio Nacional, em Santiago, um ícone da ditadura. Mais de 13 mil eleitores votaram no palco da decisão da Copa de 1962, vencida pelo Brasil.

“É um palco de muitas alegrias esportivas e recreativas, pois é usado para shows e espetáculos, mas também é um lugar de profunda dor, tristeza e violência”, afirmou a historiadora Carla Peñaloza. Pelos porões do estádio passaram 50 mil prisioneiros, entre setembro e novembro de 1973, quando o local foi fechado como centro de detenção.

“O Estádio Nacional parou de receber presos políticos porque era preciso jogar contra a União Soviética pelas eliminatórias da Copa de 1974”, lembra Peñaloza. “Em protesto contra a ditadura, os soviéticos não entraram em campo.”

Na fila para entrar estava Ana Velázquez, que ficou presa por duas semanas no estádio quando tinha 21 anos. “Saí por milagre, graças à Cruz Vermelha”, disse Velázquez. “Temos de jogar no lixo a Constituição de Pinochet, que foi escrita com sangue e fogo. Agradeço aos jovens do Chile, que se uniram na revolta social e iniciaram esse processo.”

Paola Castro, de 45 anos, mostrou otimismo, acreditando que a mudança “está mais perto do que nunca”, ao admitir que votou pela aprovação do texto. “Vir votar no Estádio Nacional não é só exercer um direito, mas é reconhecer nossa história”, disse.

Santiago, porém, foi um ponto fora da curva na votação de ontem. A região era reduto dos apoiadores do novo texto constitucional. O voto da capital, no entanto, não foi capaz de alterar o resultado final. (Com agências internacionais).

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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