Emenda Pix atingirá R$ 3,8 bi em 2023 e terá recorde de repasse sem controle

18/11/2022 17:01
Por Daniel Weterman / Estadão

O Congresso decidiu colocar R$ 3,8 bilhões em “emendas Pix” no Orçamento de 2023. O mecanismo envolve a transferência direta de recursos federais a Estados e municípios, sem fiscalização nem prestação de contas. O repasse é feito conforme a indicação de deputados e senadores e o dinheiro pode ser gasto por prefeitos e governadores como quiserem, sem dizer para onde está indo.

Conforme o jornal O Estado de S. Paulo revelou, essa emenda foi usada para bancar shows de artistas sertanejos durante a campanha eleitoral em cidades sem infraestrutura e que ficaram sem atender a necessidades básicas da população.

O dinheiro cai na conta das prefeituras sem nenhum plano de aplicação e pode ser gasto livremente. É diferente do que ocorre com outros tipos de emendas, que só são pagas após a apresentação de projetos e a entrega efetiva das obras, além da prestação de contas.

O mecanismo une governistas, integrantes do Centrão e da oposição e não tem resistência nem na equipe de transição do futuro governo.

“Pela transição, tratamos da PEC do Bolsa Família e adequações do Orçamento para não faltar dinheiro para áreas essenciais e investimentos”, disse o senador eleito Wellington Dias (PT-PI), escalado pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para negociar a votação do Orçamento de 2023. “Sou senador eleito e sei que a direção e líderes da Câmara e do Senado estão tratando de regras para mais transparência sobre recursos das emendas.”

Gleisi e Aécio

A presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), foi a autora da PEC que criou a emenda especial, em 2019. Aécio Neves (PSDB-MG), adversário do PT nas eleições presidenciais de 2014, relatou a proposta na Câmara. Dos 56 deputados do PT, 55 indicaram recursos nessa modalidade em 2023. No Senado, foram cinco dos sete integrantes da bancada. Procurada, Gleisi disse que o tema não será tratado na transição.

A emenda Pix se transformou em uma das principais preocupações de órgãos de controle e especialistas em contas públicas, após o orçamento secreto, esquema que não permite a identificação do deputado que patrocina a destinação da verba pública e foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo. No caso da emenda Pix, os recursos são repassados sem nenhum indicativo de como serão aplicados, se para compra de um equipamento ou para uma construção.

O pagamento deverá ser feito por Lula logo no primeiro ano de governo. A transferência é obrigatória e só foi possível após uma mudança na Constituição, que criou o repasse, denominado tecnicamente de “transferência especial”.

O mecanismo foi apelidado de “emenda Pix” por consistir em uma transferência rápida e direta, do caixa do governo federal para o caixa dos governos estaduais e prefeituras. O argumento dos parlamentares é eliminar a burocracia. Por outro lado, especialistas alertam para a falta de fiscalização e o risco de desvios.

O valor apresentado ainda será aprovado pelo Congresso até o fim deste ano, mas não deve sofrer mudanças. O volume é recorde e mostra o aumento da adesão dos congressistas a esse tipo de emenda, o que desafia órgãos de controle.

Em 2020, no primeiro ano de existência, as emendas Pix somaram R$ 621 milhões. No ano seguinte, cresceram para R$ 2 bilhões. Neste ano, o Orçamento prevê um total de R$ 3,3 bilhões. Para 2023, o valor proposto pelo Congresso é de R$ 3,8 bilhões, com indicação de 446 deputados e 61 senadores, ou seja, 85% do Congresso.

O dinheiro foi usado para bancar shows sertanejos em redutos políticos de parlamentares no meio da campanha eleitoral. O deputado federal André Janones (Avante-MG), por exemplo, destinou R$ 7 milhões para Ituiutaba (MG), sua cidade natal. Do total, R$ 1,9 milhão ajudou a bancar uma festa com o cantor Gusttavo Lima e outros artistas. Não houve especificação de como o restante do recurso foi usado.

A emenda Pix também foi parar na conta de prefeituras governadas por parentes dos congressistas. O deputado Valdir Rossoni (PSDB-PR) colocou R$ 16,9 milhões de emendas Pix na prefeitura de Bituruna (PR), comandada pelo filho Rodrigo Rossoni, nos dois últimos anos. A administração municipal não fez prestação de contas sobre onde aplicou o montante. O parlamentar indicou outros R$ 9,85 milhões para o caixa do município do filho em 2023, valor máximo permitido para a emenda.

“A burocracia não existe. Transferiu, vai logo”, disse o deputado Júlio Cesar (PSD-PI) ao jornal O Estado de S. Paulo, ao justificar a escolha pela emenda Pix. Nos dois últimos anos, ele indicou R$ 11,8 milhões para municípios no Piauí nessa modalidade.

Para 2023, carimbou mais R$ 7,3 milhões. A justificativa é agraciar prefeitos aliados. O deputado admite não acompanhar o uso final do dinheiro. “Aí é com o Tribunal de Contas. Os prefeitos gostam pela celeridade na liberação e a escolha é feita pelos prefeitos que apoiam a gente”, disse.

Transparência

Especialistas alertam que, mesmo com a transferência direta, os princípios da Constituição e das leis que exigem transparência e legalidade nos atos seguem em vigor e precisam sem cumpridos. “As transferências especiais não exigem apresentação de projetos, acordos e convênios formais previamente. Em tese, essa circunstância pode comprometer a transparência da despesa pública”, afirmou o presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Cezar Miola.

O Tribunal de Contas da União (TCU) analisa uma consulta que questiona justamente a quem cabe fazer o controle dessas emendas e pode desencadear um pente-fino sobre os pagamentos feitos pelo governo federal na modalidade. A área técnica da Corte sugeriu que as emendas Pix sejam investigadas por se tratar de recurso de natureza federal.

Já uma ala de especialistas, incluindo técnicos do próprio TCU, do Congresso e do governo, diz que o pente-fino deve ser realizado pelos órgãos locais, ou seja, Câmaras Municipais e Tribunais de Contas Estaduais, porque o recurso passa a pertencer ao município no ato da transferência.

O modelo

O dinheiro da emenda Pix pode ser usado para construir escolas, praças, asfalto ou bancar a manutenção de órgãos públicos. A exigência é de que 70% do total seja usado para investimentos. Além disso, a emenda não pode bancar o pagamento de servidores e as dívidas dos municípios.

Tudo isso, porém, não é verificado na hora da transferência, pois não há um “carimbo” identificando o destino final do recurso. O Ministério da Economia oferece um sistema para os prefeitos e governadores informarem no que pretendem gastar o dinheiro, mas a prestação de contas é opcional.

Esse tipo de transferência é reservado apenas para as emendas individuais, aquelas indicadas por cada deputado e senador no Orçamento.

O valor das emendas Pix representa 32% de todas os recursos a que os parlamentares terão direito de indicar individualmente no ano que vem.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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